Dois fatos
Primeiro
O Observatório da Imprensa publicou um pequeno artigo sobre a queda nas vendas dos jornalões brasileiros. Enfim, um assunto que há meses frequenta os principais sites de opinião na internet com a abordagem do mesmo problema em vários países dos quatro cantos do mundo chega ao Brasil, ainda que neste tímido informe, que, por sinal, é restrito às vendas avulsas da mídia impressa, nas bancas de jornais.
A Folha de São Paulo, considerado um dos três jornais mais influentes no Brasil, vendeu, em média, apenas 21.849 exemplares nas bancas de todo o país, entre janeiro e setembro de 2009 (dados do IVC – Instituto Verificador de Circulação; portanto, “deles” mesmos). Para um jornal que, em 1995, vendia nas bancas 830 mil exemplares num só domingo, e, somando-se aos assinantes, chegou a tirar 1.253.000 exemplares diariamente, na média de outubro de 1995, a atual tiragem, que não deve ultrapassar insignificantes 50 mil exemplares, se incluirmos os assinantes e as cortesias, o que significaria, senão a sua falência enquanto mídia impressa?
Ora, nos critérios da ortodoxia neoliberal que esse mesmo órgão de imprensa e seus semelhantes pregam e defendem com tanta ênfase e entusiasmo já deveriam todos ter sido encerrados há muito tempo, se considerarmos que o que ocorre com a Folha estaria ocorrendo com todos os jornalões (por que não?). A Gazeta então faz a pergunta que o Observatório não fez: quem os sustenta como empresas comerciais que são? Com certeza não será o amor ao jornalismo impresso. Muito menos a publicidade veiculada por empresas privadas; os donos delas não são otários. Ah, a internet: já vimos uma argumentação do tipo por aí, sem fundamento nenhum, claro. Dizem que agora os jornalões têm muito mais leitores que antes, graças à internet. Mesmo se isto fosse verdade, então, para quê imprimir jornais que não vendem?
A triste verdade, leitor, é a de que nós, o povo, sustentamos o trampo. Da câmara de vereadores de Quixeramobim ao Palácio do Planalto, persiste o velho sistema: as faturas das matérias pagas com dinheiro público devem vir acompanhadas das respectivas matérias impressas para que o processo de pagamento se faça. Ninguém pergunta quanto custam, ninguém questiona por que se as pagam. Uns poucos, sim, sabem quanto custam e sabem por que se as pagam; seus rabos (e “interesses particulares”) estão presos no sistema. A quem a mídia impressa de hoje informa é à burocracia pública que a sustenta, pois os leitores já se foram há muito tempo, e o jornalismo que a justificaria há ainda muito mais tempo está morto. Um morto “muito vivo”, decerto!
Segundo
Mario Silva, jornalista venezuelano, disse anteontem em seu programa de TV La Hojilla (“A lâmina” ou “estilete”, em traduções livres, referindo-se, porém, ao instrumento de recortar matérias de jornais, para o que se usava geralmente uma gilete), que, pela primeira vez em toda a história, se verificava concretamente a mudança do poder midiático numa nação americana, e os meios de imprensa privada da Venezuela não mais impõem as matrizes de opinião naquele país. Agora são os meios independentes e comunitários, junto aos veículos do governo, que asseguram a maior parte das audiências, específica e esmagadoramente, nas classes populares, e promovem por si mesmos as matrizes de opinião independentes e de interesse nacional. Todos esses meios de comunicação são sustentados pelo povo da Venezuela, através de seu governo revolucionário, com a diferença que atuam numa linha editorial radical e abertamente anti-imperialista e em favor das massas populares, dos objetivos libertários dos povos do mundo em geral, e dos povos latino-americanos em particular.
La Hojilla foi o precursor de uma série de programas de opinião veiculados nesses meios de comunicação revolucionários que, de uns cinco anos para cá, são produzidos para contestar e rebater as matrizes de opinião forjadas pelos meios privados contra-revolucionários da Venezuela, os quais são ostensivamente apoiados pela mídia hegemônica mundial, vinculada aos interesses imperialistas e às transnacionais.
De acordo com Mario Silva, agora são os veículos da mídia privada que se subordinam aos temas veiculados pelos meios públicos. E os programas como os dele - que é hoje o programa de grade de televisão com maior audiência nacional -, fazem as tréplicas.
Para além dos índices de audiência que agora, indiscutivelmente, detectam a mudança do poder midiático na Venezuela, um exemplo claro de tal verdade foi verificado no caso das bases militares dos EUA na Colômbia, assunto de que o povo venezuelano demonstrou estar a par nos mínimos detalhes e com grande consciência patriótica, graças à competência jornalística dos meios públicos para informá-lo. Assim, ao responder de imediato e em uníssono ensurdecedor ao apelo de Hugo Chávez para que “se queremos a paz, preparemo-nos para a guerra”, tamanha contundência de resposta popular pôs em polvorosa os meios de comunicação imperialistas e os estrategistas do Império, que, pegos de surpresa, tentaram implantar a matriz de opinião de que Chávez estava declarando guerra à Colômbia. Isto só fez aumentar o descrédito dos próprios meios que a veicularam, dada a estupidez flagrante e sem o menor fundamento de tal manipulação da verdade. É possível que tenha se dado justamente aí, nesse mesmo fato, o ponto de inflexão mencionado pelo jornalista de La Hojilla.
Ao poder comunicacional revolucionário construído pelo povo bolivariano da Venezuela em menos de uma década, se agrega a TeleSur, a caçula da família dos meios comunicacionais da Revolução, que já se faz numerosa e influente. A TeleSur foi criada para o embate midiático no plano internacional e hoje prospera francamente na mesma direção, só que em escala mundial, através da luta heróica que está travando contra a mídia hegemônica. Numa entrevista ao jornal argentino Página 12, Andrés Izarra, presidente da TeleSur, comentou que o golpe de Estado em Honduras foi midiaticamente planejado para se fazer quase em silêncio. No máximo, disse Izarra, apenas na mídia impressa algumas notas de páginas de miolo informariam da destituição do ignóbil Manuel Zelaya pelas “forças da democracia” daquele país. Não contavam com a presença ali, solitária e resistente, da equipe TeleSur a qual, durante o golpe e nos primeiros quinze dias que o sucederam, transmitiu ao mundo reportagens de alta qualidade sobre a verdade histórica e a forte resistência popular anti golpista.
Pela corajosa batalha daqueles dias, a TeleSur foi ganhando elevados índices de audiência em todo o mundo (passou de 23 para 100 milhões de espectadores em poucos dias) e rompeu o bloqueio midiático. A mídia hegemônica teve de correr atrás do prejuízo e enviar suas equipes, mas, até que chegassem lá, não tiveram outra saída senão comprar as imagens da TeleSur, a única equipe jornalística presente nos fatos capaz de gerar material de qualidade televisiva. A CNN, a BBC e até a Globo, do Brasil, que sempre a sabotaram, não tiveram alternativas senão a de publicar imagens com créditos TeleSur.
E o mundo todo está em xeque de transparência política e democrática por causa da pequena Honduras. Os golpistas e seus mentores tentam se esconder de si mesmos, fingindo que não está acontecendo nada... há cinco meses! Nesse tempo, não puderam governar, de fato, nem um só dia, por causa da “inesperada” resistência popular, cuja existência foi a TeleSur, e somente ela, que comunicou ao mundo em primeira mão, num dos maiores “furos” de reportagem internacional jamais registrados.
Os dois fatos são ilustrações e prólogos das nossas próximas reflexões. A oitava, sobre a morte do jornalismo tradicional nos últimos quarenta anos (1969 – 2009). E a nona e última da série, sobre o renascimento de jornalismo original através de uma nova e revolucionária prática jornalística e das novas tecnologias a que os profissionais de jornalismo tivemos acesso.
Mario Drumond