Por Tom Capri
Acabo de receber, de Álvaro Pedreira de Cerqueira, a quem chamo de Alvarossauro, uma coleção de joias do pensamento liberal, aforismos de gente de peso como Locke, Tocqueville, Churchill e outros. Chamo de Alvarossauro porque, apesar de ilustrado, com altos conhecimentos em todos os campos ---- a exemplo de gentis mortais como Diogo Mainardi, Luiz Felipe Pondé, Daniel Piza etc. ----, é mais um que se tornou infenso à razão e fossilizou-se numa visão dinossáurica de tudo. Tal qual seus colegas de grupo, como Rivadávia Rosa, Antonio “Sepulcrão” Sepulveda, Delmar Phillipsen, Gerhard Boehme, entre outros. Todos ainda se mostram incapazes da menor autocrítica. Pois não é que também fiquei fascinado com os aforismos liberais, pela precisão e presteza? Como aquela gente acertou na mosca! Bem ao contrário do que a ala mais rasa e burra da esquerda (maioria) tanto propala e do que se imagina por aí. Um belo ajuste de contas com a sabedoria! Apreciei e aprendi muito lendo esses aforismos. Alvarossauro os havia recebido de um amigo, Márcio Chila Freyesleben, a quem agradecera, comovido, pelo envio. E fez questão de repassar essas joias liberais aos amigos (e inimigos). Não entendi até agora como Alvarossauro abraçou todos os aforismos, se alguns vão frontalmente contra o que ele pensa. Talvez por isso os aforismos tenham me comovido também. Atrevi-me a analisar e a comentar um por um. Aí vão, em nova tentativa de levar uma luz aos Alvarossauros que aí estão e se tornaram infensos às verdades. E não adianta pinçar um aqui, outro ali, para ler, pois aí é que você não vai mesmo entender: minha análise de cada um é sequencial e nexológica, isto é, o que digo sobre o primeiro aforismo é parte essencial do que digo sobre o segundo, e assim por diante (em suma, todas as minhas análises estão imbricadas). Portanto, é preciso ler todos e na ordem em que estão, para entender. Confira.
Os governos existem para proteger os legítimos direitos à vida, à liberdade e à propriedade. (John Locke).
Temos aqui essa brilhante percepção de Locke, ainda muito pouco entendida, principalmente pelos seus admiradores, como Alvarossauro. Locke tem razão quando diz que os governos existem e sempre existiram para proteger oslegítimos (legítimos no sentido de “previstos em lei”) direitos à vida, à liberdade e à propriedade. Até aí, perfeito. O ponto falho e obscuro de Locke não está nesse aforismo, mas fora dele. Os governos realmente existem para proteger os legítimosdireitos (que Locke menciona) à vida, à liberdade e à propriedade, mas das classes dominantes, não da sociedade em geral. E são as classes dominantes que criam e aprovam as leis que tornam legítimos esses seus próprios direitos. Sempre foi assim desde que os gregos e romanos inventaram as leis, o estado de direito, a democracia.
Locke nunca enxergou as classes, na sociedade, e imaginava que os direitos legítimos à vida, à liberdade e à propriedade, das classes dominantes, eram os mesmos direitos garantidos e estendidos a todos. Para Locke, não existiam as classes, e a sociedade de sua época era uma coisa só, unificada em torno dos ideais que ele, o mesmo Locke, tinha na cabeça e preconizava.
E se você ainda é ingênuo a ponto de não acreditar que os governos, a democracia e o Estado aí estão para proteger os legítimos (no sentido de “previstos em lei”) direitos à vida, à liberdade e à propriedade, porém das classes dominantes, volte a ler e a estudar o tema. Aprofunde-se nele. Mas vá aos clássicos que escreveram sobre isso, não aos intérpretes, que só raramente são precisos. Leia os gregos, cheque a verdadeira origem do Estado, da democracia, do poder, dos governos. Tente entender por que a democracia é, na verdade, segundo alguns sábios gregos, o “regime do diabo”, ou, como eu costumo chamar, ademoniocracia.
Devemos dizer ao povo o que ele precisa saber e não o que ele gostaria de ouvir. (J. F. Kennedy).
John Kennedy tinha razão. Mas, por desconhecer o fato de que os governos existem para proteger os legítimos direitos (legítimos porque previstos em lei) das classes dominantes e não do povo, foi lá e disse o que o povo precisava saber e, por causa disso, tomou aquela bala na testa, até hoje não sabe que morreu e por que morreu.
O maior cuidado de um governo deveria ser o de habituar, pouco a pouco, os povos a dele não precisar. (Alexis de Tocqueville).
Genial. Aqui o melhor de Tocqueville, que tanto estudei na Faculdade (Escola de Sociologia e Política de São Paulo, anos de 1970), onde fiz também o mestrado. Como os governos existem para proteger os legítimos (legítimos porque previstos em lei) direitos das classes dominantes, nada melhor para estas classes do que habituar os povos a não precisar nunca dos governos.
As leis abundam em Estados corruptos. (Tácito).
Aqui, o que mais abunda é a sabedoria de Tácito. Não só os governos, mas os Estados e as leis também existem, desde que foram criados no período clássico (pelos gregos, romanos etc.), para proteger os legítimos direitos das classes dominantes, fazendo-os passar por direitos de todos.
Como diz Bastiat, em aforismo que Alvarossauro também recebeu de seu amigo Márcio Chila Freyesleben e analisarei mais adiante, a lei não é o refúgio do oprimido, mas a arma do opressor. Por isso, as leis abundam em todos os governos e Estados, pois são regidos, sem exceção, pelas forças (classes) dominantes. E quanto mais corrupto for o Estado, mais abundam as leis, posto que as individualidades pertencentes às classes dominantes brigam muito entre si e não medem esforços para se proteger nas leis, na política, na polícia e, principalmente, pela couraça do Estado.