O FÓRUM DA SEGURANÇA PÚBLICA
EDITORIAL DO JORNAL
"O ESTADO DE S. PAULO"
1/9/2009
Há menos de um ano e meio do final do mandato do atual governo, o Ministério da Justiça reuniu em Brasília 3 mil pessoas que discutiram durante quatro dias, distribuídas em cerca de 40 grupos de trabalho, num centro de convenções, o futuro da segurança pública. E o próprio presidente Lula, que já está no poder há seis anos e oito meses, aproveitou a solenidade de abertura do evento para fazer um discurso como se estivesse inaugurando seu primeiro mandato e tivesse uma proposta concreta para essa que é uma das mais problemáticas áreas da máquina estatal.
"É preciso acabar com o jogo de empurra na busca dos culpados pela violência, como se a segurança pública fosse um cachorro que morre de fome porque todo mundo pensa que o outro deu comida e ele não recebe comida de ninguém", disse o presidente, depois de anunciar que a segurança é "de responsabilidade de todos, coletivamente", e que ela "não mais será tratada como coisa de segunda categoria, com a aplicação de resto de dinheiro".
Isso é tudo o que a sociedade brasileira, assustada e revoltada com a nova escalada da criminalidade, queria ouvir. Mas não de um governante que caminha para o final de sua gestão e que, no tempo em que passou no poder, produziu mais discurso e fogo fátuo do que ações concretas. Em matéria de segurança pública, qual é o legado de dois mandatos de Lula, além de retórica?
Anunciada como uma verdadeira redenção do setor, a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg) é uma prova disso. Dos 3 mil participantes, 2.097 tiveram direito a voto - e, pelas contas do Ministério da Justiça, 30% eram vinculados ao governo federal, 30% representavam Estados e municípios e 40% fazem parte da chamada "sociedade civil", tendo sido indicados após a realização de 1.140 "conferências livres" em 514 cidades, 26 conferências municipais e 27 conferências estaduais, além de conferências pela internet, envolvendo a participação de meio milhão de pessoas.
Ao todo, essas conferências resultaram em 26 "princípios" e 364 "diretrizes" que foram discutidos e votados durante a 1ª Conseg. O encontro começou na última quinta-feira com a arenga presidencial e, organizado nos moldes do Fórum Social Mundial, terminou no domingo, com a aprovação de 10 "princípios" e 40 "diretrizes". A coordenadora do evento, Regina Miki, chegou a afirmar que ele foi um "marco histórico" destinado a "transformar as propostas de toda a sociedade numa política de Estado, e não mais de governo".
Pelo que foi discutido e aprovado, contudo, o resultado final é um conjunto de platitudes, palavras de ordem e reivindicações corporativas. A "diretriz" mais votada dá a dimensão do que foi a 1ª Conseg. Ela pede à Câmara dos Deputados e ao Senado que aprovem a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 308, que transforma os agentes penitenciários em agentes policiais. Como se vê, é uma mudança de status funcional - e certamente de remuneração - que está longe de pôr fim à crise da segurança pública. Entre as demais "diretrizes", também se destacam pelo tom corporativo as que defendem a autonomia dos Corpos de Bombeiros e "um sistema remuneratório unificado, com paridade entre ativos e inativos e aposentadoria especial com proventos integrais para os profissionais da segurança pública".
Quanto aos "princípios", eram inevitáveis, num evento como esse, o enviesamento ideológico e o pseudossociologismo. O aumento da violência foi atribuído "aos modelos econômicos que empobreceram a sociedade". Em nome de uma "cultura de paz", criticou-se "a criminalização da pobreza, da juventude e dos movimentos sociais" - antiga palavra de ordem do MST. Para a gestão do Sistema Único de Segurança Pública, recomendou-se "gestão democrática". E, em matéria de política de segurança, afirmou-se que ela deve "ser pautada na intersetorialidade, na transversalidade e na integração sistêmica com políticas sociais", uma vez que a criminalidade tem "origem multicausal".
Houve quem tentasse discutir medidas concretas. Mas elas acabaram sendo relegadas para segundo plano nessa geleia geral em que o governo, sempre com os olhos nas eleições de 2010, converteu o tema da segurança pública.
EDITORIAL DO JORNAL
"O ESTADO DE S. PAULO"
1/9/2009
Há menos de um ano e meio do final do mandato do atual governo, o Ministério da Justiça reuniu em Brasília 3 mil pessoas que discutiram durante quatro dias, distribuídas em cerca de 40 grupos de trabalho, num centro de convenções, o futuro da segurança pública. E o próprio presidente Lula, que já está no poder há seis anos e oito meses, aproveitou a solenidade de abertura do evento para fazer um discurso como se estivesse inaugurando seu primeiro mandato e tivesse uma proposta concreta para essa que é uma das mais problemáticas áreas da máquina estatal.
"É preciso acabar com o jogo de empurra na busca dos culpados pela violência, como se a segurança pública fosse um cachorro que morre de fome porque todo mundo pensa que o outro deu comida e ele não recebe comida de ninguém", disse o presidente, depois de anunciar que a segurança é "de responsabilidade de todos, coletivamente", e que ela "não mais será tratada como coisa de segunda categoria, com a aplicação de resto de dinheiro".
Isso é tudo o que a sociedade brasileira, assustada e revoltada com a nova escalada da criminalidade, queria ouvir. Mas não de um governante que caminha para o final de sua gestão e que, no tempo em que passou no poder, produziu mais discurso e fogo fátuo do que ações concretas. Em matéria de segurança pública, qual é o legado de dois mandatos de Lula, além de retórica?
Anunciada como uma verdadeira redenção do setor, a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg) é uma prova disso. Dos 3 mil participantes, 2.097 tiveram direito a voto - e, pelas contas do Ministério da Justiça, 30% eram vinculados ao governo federal, 30% representavam Estados e municípios e 40% fazem parte da chamada "sociedade civil", tendo sido indicados após a realização de 1.140 "conferências livres" em 514 cidades, 26 conferências municipais e 27 conferências estaduais, além de conferências pela internet, envolvendo a participação de meio milhão de pessoas.
Ao todo, essas conferências resultaram em 26 "princípios" e 364 "diretrizes" que foram discutidos e votados durante a 1ª Conseg. O encontro começou na última quinta-feira com a arenga presidencial e, organizado nos moldes do Fórum Social Mundial, terminou no domingo, com a aprovação de 10 "princípios" e 40 "diretrizes". A coordenadora do evento, Regina Miki, chegou a afirmar que ele foi um "marco histórico" destinado a "transformar as propostas de toda a sociedade numa política de Estado, e não mais de governo".
Pelo que foi discutido e aprovado, contudo, o resultado final é um conjunto de platitudes, palavras de ordem e reivindicações corporativas. A "diretriz" mais votada dá a dimensão do que foi a 1ª Conseg. Ela pede à Câmara dos Deputados e ao Senado que aprovem a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 308, que transforma os agentes penitenciários em agentes policiais. Como se vê, é uma mudança de status funcional - e certamente de remuneração - que está longe de pôr fim à crise da segurança pública. Entre as demais "diretrizes", também se destacam pelo tom corporativo as que defendem a autonomia dos Corpos de Bombeiros e "um sistema remuneratório unificado, com paridade entre ativos e inativos e aposentadoria especial com proventos integrais para os profissionais da segurança pública".
Quanto aos "princípios", eram inevitáveis, num evento como esse, o enviesamento ideológico e o pseudossociologismo. O aumento da violência foi atribuído "aos modelos econômicos que empobreceram a sociedade". Em nome de uma "cultura de paz", criticou-se "a criminalização da pobreza, da juventude e dos movimentos sociais" - antiga palavra de ordem do MST. Para a gestão do Sistema Único de Segurança Pública, recomendou-se "gestão democrática". E, em matéria de política de segurança, afirmou-se que ela deve "ser pautada na intersetorialidade, na transversalidade e na integração sistêmica com políticas sociais", uma vez que a criminalidade tem "origem multicausal".
Houve quem tentasse discutir medidas concretas. Mas elas acabaram sendo relegadas para segundo plano nessa geleia geral em que o governo, sempre com os olhos nas eleições de 2010, converteu o tema da segurança pública.
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