(Confira o quanto a nova novela da Globo é mentirosa e criminosa)
Se Caminho das Índias é a melhor novela que a Globo já fez, Viver a Vida é a pior. Além disso, é mentirosa e criminosa. A Globo e Manuel Carlos deveriam ser condenados e punidos por tê-la posto no ar.
A maior qualidade de Caminho das Índias estava em desnudar toda a irracionalidade da sociedade de classes. Mostrava-nos que, por estar assentada no roubo diário de força de trabalho, a sociabilidade que aí está nos vem desfigurando e descaracterizando há séculos, trazendo fome, criminalidade, doenças e barbárie a bilhões enquanto distribui privilégios somente a alguns.
Já Viver a Vida é uma ode a toda essa irracionalidade. Procura nos fazer engolir que a vida de hoje é assim mesmo, difícil, não tem jeito, e que se você tiver forças para se superar, acaba vencendo as piores adversidades e se dando bem. E, mesmo que não consiga se superar, a novela nos mostra que você ainda pode contar com a religião, capaz de fazer milagres e garantir, enfim, a superação... E a felicidade (no céu, é claro).
É a mensagem enganadora de esperança que já virou clichê nas novelas e tem ludibriado e iludido milhões no Planeta, inclusive jornalistas como Eugênio Bucci (ver artigo dele, “Feliz ano-novo, segundo a novela”, louvando Viver a Vida na página A2 do Estadão de 31 de dezembro, em Espaço Aberto, Primeiro Caderno).
Esta novela simplesmente põe um véu na história contemporânea, tentando apagar tudo de tal maneira que você não enxergue as verdadeiras causas das tragédias e as tome apenas como coisas do destino ingrato. E pede às personagens para que lutem buscando a superação, pois, com perseverança, qualquer um consegue superar esse mundo cruel.
Com personagens mal urdidas e até chatas, às vezes, a novela passa assim ao espectador ainda não atingido (mas que poderá vir a ser) essa mensagem ilusória de superação. Mostra-lhe que, com luta e perseverança, ele também pode dar a volta por cima, se um dia for igualmente atingido. Mas você e eu sabemos que, de cada mil que enfrentam tragédias para valer, apenas meia dúzia consegue reunir forças para chegar à superação.
Todas as personagens de destaque de Viver a Vida vivem um drama ou passaram por uma tragédia e são estimuladas a superá-los. A superação é o tema central da novela. Ao final de cada capítulo, assistimos ao depoimento de alguém que, na vida real, passou por tragédia tal qual as personagens, e conseguiu vencê-la, num exemplo de superação.
A novela esqueceu dos pobres coitados (a maioria da população do Planeta) que --- vítimas das agruras impostas pela sociedade de classes, especialmente a de talhe capitalista em que vivemos hoje ---, sucumbiram às tragédias e tornaram-se impotentes e completamente sem forças para alcançar a superação. E aqueles que enlouqueceram, perderam o juízo, não têm mais mobilidade ou perderam a voz, a audição, estão em coma permanente, e que nem a religião faz milagres para salvá-los ou empurrá-los à superação?
Eu também acho lindo transmitir mensagens de esperança à humanidade, principalmente neste período de festas. Mas com base na verdade. O que Viver a Vida e a Globo fazem, amparados na religião, é mentir e iludir o espectador, no que cometem crime tão atroz quanto os genocídios a que temos assistido.
Tais mentiras vão se disseminando e se fazendo passar por verdades, das novelas ao jornalismo, anestesiando as pessoas. E o resultado é a apologia direta e indireta da sociabilidade que aí está, obscurecendo mentes e obstaculizando o caminho para a verdade e para as mudanças. É isto o que a Globo mais quer. Afinal, ela existe --- e também suas novelas --- para potencializar as vendas, nos comerciais que exibe, daí precisar louvar sempre a vida regida pelo capital, como volta a fazer com maestria em Viver a Vida, pois é isto o que a mantém de pé.
A Globo não é mero guardião protetor do capital, é o capital em uma de suas facetas mais poderosas, e precisa aplicar-lhe diariamente injeções de cânfora, para sobreviver. Esta, sim, é a maior tragédia contemporânea e a que mais precisa de superação, e novelas como Viver a Vida nos impedem de chegar lá.
Tom Capri.
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