Pronto, já esqueceram o
varinha mágica do capital
Comprove ainda: o articulista Sérgio Augusto também concorda comigo quando digo que a varinha mágica do capital está hoje por trás das tragédias provocadas por desastres naturais (ver texto dele mais adiante). Comprove ainda: o articulista Sérgio Augusto também concorda comigo quando digo que a varinha mágica do capital está hoje por trás das tragédias provocadas por desastres naturais (ver texto dele mais adiante).
Como normalmente acontece nesses casos, o Haiti já caiu no esquecimento da mídia e do mundo. Na linguagem jornalística, não dá mais matéria. E a recuperação fica a cada dia mais difícil. O presidente Lula está prestes a visitar o país, mas o que se vê, na mídia, é minguar o espaço dedicado à tragédia provocada pelos recentes terremotos que mataram mais de 200 mil.
E minguarem também as atenções que deveriam estar voltadas, agora mais do que nunca, para a reconstrução do Haiti. Repare, no texto abaixo, que o articulista Sérgio Augusto, que escreve para os principais jornais do País, também concorda comigo: a varinha mágica do capital está hoje por trás de todas as tragédias provocadas por desastres naturais, como este último do Haiti.
É o que ele deixou claro em seu texto publicado no Estadão, sob o título “O Haiti que importa”, suplemento Aliás, página J6, de 24/1/2010. Veja o final do artigo dele: “Quando pensar no Haiti e rezar pelo Haiti, tenha sempre em mente que os maiores flagelos que o atingiram nos últimos 500 anos não foram exatamente causados pela natureza.” Aí vai, abaixo, a íntegra do texto do Sérgio Augusto, seguido do meu artigo em que demonstro não ser a natureza, mas sim o capital, a maior força destruidora, nos casos de desastres naturais como o recente do Haiti.
Você encontra o comentário de Sérgio Augusto também no link:
http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,o-haiti-que-importa,500654,0.htm O Haiti que importa
Por Sérgio Augusto
“O Estado de S. Paulo” Suplemento Aliás Página J6 – 24/1/2010
Há quem ligue o Haiti a Caetano Veloso ou a Graham Greene. Melhor do que nada. Muitíssimo melhor do que reduzir o Haiti ao vodu (ou à caricatura do culto de origem africana perpetuada mundo afora), a golpes de Estado, terremotos e furacões, desmatamentos e miséria, aos Tonton Macoutes e ditadores de óculos escuros espelhados.
Mas existe um outro Haiti, anterior e posterior a Papa Doc e Baby Doc Duvalier, que tampouco está na música de Caetano e no romance satírico Os Comediantes, de Greene, e esse é o Haiti exemplar, o Haiti que importa: o Haiti de Toussaint L"Ouverture e Jean-Jacques Dessalines, Jean David Boursiquot e Wyclef Jean - o Haiti heroico e criativo.
Mas existe um outro Haiti, anterior e posterior a Papa Doc e Baby Doc Duvalier, que tampouco está na música de Caetano e no romance satírico Os Comediantes, de Greene, e esse é o Haiti exemplar, o Haiti que importa: o Haiti de Toussaint L"Ouverture e Jean-Jacques Dessalines, Jean David Boursiquot e Wyclef Jean - o Haiti heroico e criativo.
L"Ouverture iniciou a libertação da ilha, concluída por Dessalines em 1804; Boursiquot é uma das glórias da renomada pintura naïf haitiana; Wyclef Jean, um rapper de fama mundial. Nas artes plásticas e na música (compas, zouk), os haitianos não disputam a repescagem. Encantei-me por seus pintores primitivos há mais de 30 anos, numa mostra em Miami, onde conheci, com vergonhoso atraso, os carnavais e as bodas de Boursiquot, as marinas de Jonas Camille Hector, as caçadas de Wilson Brigaud, os mercados de Fritzner Alphonse, cujas imagens nos remetem a Rousseau, Tarsila e Guignard.
Foi aí que deixei de associar o Haiti, única e exclusivamente, aos esbugalhados zumbis antilhanos dos filmes produzidos por Val Lewton e a uma americana chamada Kate.
Invenção de Cole Porter, Kate foi até Porto Príncipe, nos anos 1930, para um descanso, mas lá apaixonou-se por um haitiano, depois por outro, e mais outro, adiando sempre a volta, até decidir-se por nunca deixar o Haiti, cujo turismo cresce exponencialmente depois que ela publica um livro sobre os mil encantos da ilha.
A deliciosa ninfômana viveu até os 80 e teve funeral de luxo.
A canção Kate Went to Haiti foi composta por Porter para o musical Du Barry Was a Lady, cujo protagonista a certa altura sonhava que era Luís XV, às voltas com Madame Du Barry, a legendária amante do rei da França.
Em 1793, quando Du Barry foi guilhotinada, o Haiti ainda se chamava St. Dominique e era a mais rica colônia europeia no Novo Mundo. Metade da produção mundial de café e açúcar saía de lá, não de Santo Domingo, a colônia espanhola do lado oriental da Ilha Hispaniola, futura República Dominicana.
Os escravos africanos que tocavam a agricultura de St. Dominique eram tratados com extrema crueldade pelos usineiros e cafeicultores franceses. Quem saía da linha, tinha o reto entupido de pólvora e o corpo implodido. Menos de uma década depois de Du Barry ter subido ao cadafalso, os escravos se revoltaram, sob a liderança de Toussaint L"Ouverture, a quem Napoleão mandou trancafiar num calabouço francês até que morresse de fome e sede.
Em abril de 1803, o Espártaco creole afinal morreu. Nove meses depois, St. Dominique conquistou sua independência, proclamada por Jean-Jacques Dessalines.
Se tivesse sido branco, como Bolívar, e o Haiti não fosse apenas uma ilha, o general negro que derrotou Napoleão seria uma figura histórica bem mais conhecida no resto do continente. Vários livros inspirou, entre os quais Os Jacobinos Negros, do jamaicano C. L. R. James (traduzido pela Boitempo), e uma elogiada peça teatral do martiniquense Édouard Glissant, mas há anos que o ator americano Danny Glover luta contra o desinteresse dos produtores de cinema por imortalizá-lo na tela.
A França não vendeu barato a perda da colônia e a expulsão violenta de seus colonos. Com sua poderosa armada, embargou o comércio do Haiti, exigindo-lhe 150 milhões de francos de indenização pelos prejuízos causados pela independência, quantia extorsiva considerando-se que, na mesma época, a França vendeu a Louisiana aos Estados Unidos por 80 milhões de francos. Da nascente república norte-americana os haitianos, a rigor, só receberam ajuda de Alexander Hamilton, que colaborou na redação da primeira Carta Magna esboçada por L"Ouverture.
Thomas Jefferson, antes mesmo de chegar à presidência, já antagonizava a nascente república antilhana. Tinha 180 escravos; não preciso explicar mais nada.
Thomas Jefferson, antes mesmo de chegar à presidência, já antagonizava a nascente república antilhana. Tinha 180 escravos; não preciso explicar mais nada.
Com sanções comerciais e outros tipos de boicote, os Estados Unidos forçaram os haitianos a contraírem uma dívida colossal, em bancos americanos e franceses, que chegou a US$ 20 bilhões e só foi ressarcida em 1947. Reconhecer o Haiti como país independente, a Casa Branca só o fez em 1863, ou seja, com quase 60 anos de atraso. Mais um feito de Abraham Lincoln.
Por temer interferência alemã na zona do Canal do Panamá, os Estados Unidos de Woodrow Wilson ocuparam o Haiti em 1915 e lá ficaram durante 19 anos e cinco presidentes, o último dos quais, Franklin Delano Roosevelt, autor de uma nova Constituição imposta aos haitianos pela administração Wilson, de que Roosevelt fora subsecretário da Marinha. A nova Constituição, no melhor estilo uti possidetis, preludiou a degradação econômica e ambiental do país, cujas luxuriantes florestas de mogno e pinho caribenho foram dizimadas em questão de anos.
Para evitar "outra Cuba" nas vizinhanças, quatro presidentes republicanos e três democratas toleraram as atrocidades e as roubalheiras da ditadura Duvalier, que se perpetuou no poder de 1957 a 1986. Era Bush pai quem ocupava o Salão Oval quando o primeiro presidente democraticamente eleito do Haiti, Jean-Bertrand Aristide, foi derrubado em 1991, com a colaboração de Washington.
Reconduzido ao governo três anos depois, com o beneplácito e uma coleira de Bill Clinton, Aristide passou três anos tratado como pária pelo Bush filho. Não era o fantoche ideal e acabou derrubado em 2004, no melhor estilo Zelaya, sob as baionetas dos marines e o dedo em riste do embaixador James Foley.
Jared Diamond dedicou 31 das 681 páginas de Colapso para explicar o que aconteceu com o Haiti (e a República Dominicana) desde a chegada de Colombo. Outros estudos existem, eventualmente mais detalhados, mas esse, traduzido há quatro anos pela Record, continua sendo o mais acessível. Sua leitura muito nos ajudará a evitar interpretações equivocadas do aparente beco sem saída haitiano. Quando pensar no Haiti e rezar pelo Haiti, tenha sempre em mente que os maiores flagelos que o atingiram nos últimos 500 anos não foram exatamente causados pela natureza.
Agora, o meu comentário sobre o Haiti, comprovando que as tragédias provocadas por desastres naturais tem hoje, por trás, a varinha mágica do capital. Você encontra este comentário também em meu site www.virobscurus.com.br, no link
http://www.virobscurus.com.br/secao.asp?id=1&c_id=117 .
Haiti: desastre não foi
natural. Hoje, mortes e
destruição têm sempre a
varinha mágica do capital.
Quanto aos maremotos e tsunamis, quando o capitalismo emergente, na sua fase mercantil, saiu em busca de matérias-primas, no fim do século 15, até chegar aos Descobrimentos, não encontrou índio nenhum com habitação ou oca instalada à beira-mar. Hoje, só no Brasil, são incontáveis as praias tomadas por prédios na areia, a alguns metros do mar.
A verdade é que, nas orlas marítimas, o capital nunca escondeu sua predileção por construir o que pode à beira-mar, como resorts, residências e grandes edificações, mesmo em áreas ameaçadas por maremotos e tsunamis. Nos países que experimentaram a colonização, como Brasil e Haiti, e em muitas regiões da Ásia e da África, só agora começa a haver esse tipo de preocupação. É óbvio que um hotel à beira-mar é muito mais lucrativo do que aquele a um quilômetro da praia. Copacabana basta como exemplo dessa irracionalidade: foram gastas grandes somas só no último aterro, e para solucionar apenas em parte o problema. Uma vez que o capital está preocupado apenas consigo mesmo, e não com a vida humana, acabamos não desenvolvendo soluções capazes de evitar tragédias nessas áreas. Resulta disso que temos hoje milhões de edificações à beira-mar, no Planeta, à espera de destruição por maremotos e tsunamis, principalmente em países pobres como o Haiti, onde as edificações são bastante precárias. Tom Capri.
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