Dilma cometerá erros aleatórios
Autor: Alberto Carlos Almeida
As promessas de campanha de Dilma e do PT não os impedem de governar. É muito simples ser pragmático: campanha é campanha, governo é governo. Promete-se uma coisa e, para o bem do Brasil, faz-se outra. Quem acabou de presenciar uma campanha na qual o PT criticou severamente as privatizações fica surpreso quando se depara com a proposta “privatista” do partido para a modernização dos aeroportos. Quem pensa na imagem do PT gastador ou de severo crítico da alta dos juros fica estupefato quando nota que entre as primeiras medidas e declarações do governo estão o corte de gastos e a redução da meta de inflação, o que se for feito acarretará ou mais corte de gastos ou juros mais elevados ou ainda as duas coisas ao mesmo tempo.
O PT não brinca em serviço: campanha e governo são duas coisas diferentes. Em campanha é preciso falar coisas que deem voto, no início de governo é preciso fazer coisas duras, que serão mitigadas à medida que se aproximar a eleição seguinte. No governo é preciso ser bem mais responsável do que na campanha. Deixemos de provincianismo: a democracia é assim em todos os lugares do mundo. O célebre discurso de Churchill afirmando que só poderia oferecer ao povo britânico “sangue, trabalho, suor e lágrimas” não foi feito durante uma campanha eleitoral, mas no ato de posse na Câmara dos Comuns. Max Weber, um dos pais fundadores da sociologia, além de renomado pensador liberal, chamou a atenção para o fato de que a democracia exige a demagogia. Demagogia, no sentido preciso da palavra, é falar o que a população quer ouvir.
A população não quer ouvir falar em corte de gastos, principalmente se tais cortes resultarem em perda de bem-estar ou mesmo em desaceleração da melhoria de vida. O governo faz isso no início de mandato porque o que realmente tem impacto no voto é o bem-estar econômico que as pessoas sentem no ano anterior à eleição. As medidas que serão tomadas nos dois primeiros anos de governo têm por finalidade preparar o terreno para que o biênio 2013-2014 seja de bonança. Dilma quer ser reeleita e sabe que para atingir esse objetivo precisa que o crescimento da economia seja vigoroso daqui a quatro anos.
Não se deve esperar que o governo Dilma cometa erros sistemáticos, ou seja, erros que são resultado de uma maneira de pensar enviesada. Como qualquer governo, os erros que ocorrerão serão quase inteiramente aleatórios.
Muitos na oposição, nos idos de 2003, esperavam que Lula cometesse um erro grave. O erro não veio. Lula aumentou a meta de superávit primário, foi austero nos dois primeiros anos, delegou a condução da economia para Antonio Palocci e depois de quatro anos chegou às vésperas da eleição com 50% na soma de ótimo e bom. Isso foi suficiente para que ele fosse reeleito. Aqueles que esperam que Dilma cometa um erro sistemático grave vão se frustrar: o erro não virá. O governo não conduzirá de maneira errada a macroeconomia, isso é o que de fato importa em uma eleição presidencial.
Porém, se os erros sistemáticos não ocorrerão, o mesmo não se pode afirmar dos erros aleatórios. Eles são inevitáveis. O que vitimou a popularidade do governo Fernando Henrique, todos os dados de pesquisa mostram isso, foi o apagão. O governo vinha recuperando a popularidade perdida com a desvalorização do real ocorrida em janeiro de 1999 até que a curva de aprovação despencou a partir do racionamento de energia. Trata-se de um típico exemplo de erro aleatório.
Lula cometeu o erro de enredar o seu governo pelo escândalo do mensalão, safou-se por pouco. Lindon Johnson não imaginava que os Estados Unidos seriam derrotados de maneira humilhante no Vietnã, tomou a decisão errada de entrar na guerra, de invadir aquele país. Essa decisão não foi resultado de vício de pensamento, pelo contrário, até aquele episódio os EUA tinham sido vencedores em todas as guerras importantes nas quais tomaram parte. Tratou-se de um erro aleatório.
O PT vem mostrando desde 2000 uma enorme capacidade de adaptação ao cenário político brasileiro, adaptação essa cujo principal objetivo foi conquistar o poder e agora tem como finalidade mantê-lo. O trauma da terceira derrota consecutiva em 1998 fez Lula aparar a barba, passar a usar ternos de grife, atacar o movimento dos sem-terra e delegar a José Dirceu a tarefa de domesticar os petistas radicais. No ano da eleição, 2002, o PT abraçou todos os elementos da política econômica de Fernando Henrique em sua renomada “Carta aos Brasileiros”: câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. Depois, já na Presidência, Lula foi mais austero que o governo anterior.
No primeiro mandato, ele não deu o espaço desejado pelo PMDB, mas no segundo adaptou-se a essa necessidade. Até o antes abominável clã Sarney passou a fazer parte do receituário da realpolitik de Lula. Dilma também se adaptou: deixou de criticar Palocci, o que fez muito no início do governo Lula, e o tomou como principal auxiliar na campanha eleitoral. Lição básica de todos esses exemplos: Lula, o PT e Dilma são muito capazes de mudar de acordo com a realidade.
Um dos elementos mais importantes de nossa disputa política atual, para a Presidência da República, é sua elevada competitividade. Desde 1994 foram cinco eleições – em todas elas os dois candidatos com mais votos foram do PT e do PSDB. Na eleição ocorrida em 2010, o derrotado Serra, mesmo tendo feito uma campanha sem rumo e com um governo com 80% de aprovação, obteve pouco mais de 30% dos votos no primeiro turno e pouco menos de 45% no segundo. Isso tem um significado muito importante. O voto de oposição ao PT tem pelo menos 40% de votos em segundo turno, ou seja, se o governo Dilma não mostrar serviço, se não melhorar efetivamente o poder de compra da população brasileira, o eleitorado vai chamar a oposição para governar.
Dilma e o alto clero do PT sabem disso. Eles sentem isso na pele e sentirão mais ainda à medida que passarem pelo natural processo de altos e baixos da popularidade presidencial. Dilma não manterá os 80% de ótimo e bom de Lula.
Não será surpreendente se em meados deste ano ela tiver uma popularidade em torno de 60%. Mais ainda: também é normal que no decorrer do mandato a popularidade do governante atinja patamares realmente baixos. Lula foi exceção a essa regra. Fernando Henrique não foi nem Bill Clinton, assim como Obama não está sendo. Popularidade baixa não é o fim do mundo, desde que ocorra distante da eleição. É justamente por isso que as medidas duras, em qualquer nível de governo, até mesmo em uma prefeitura de cidade pequena, são tomadas no primeiro ano. É por isso que o governo Dilma, racional e pragmático como qualquer outro governo, tende a fazer exatamente isso: dar as más notícias em 2011 e talvez também em 2012.
A elevada competitividade da eleição presidencial brasileira obriga qualquer governante a perseguir sem trégua o sucesso. Repito: caso o governo Dilma cometa escorregões que tenham sério impacto sobre a sua popularidade, a oposição será chamada pelo eleitorado para governar o país a partir de 2015. As decisões tomadas em 2011 amarrarão as chances de sucesso do governo em 2014.
Um aumento muito grande do salário mínimo agora, por exemplo, poderá comprometer o desempenho da macroeconomia em 2014. Na ausência de medidas profiláticas do governo, uma crise internacional surpreendente e de grandes proporções que venha a reduzir o preço das commodities poderá ter também impacto negativo sobre a economia. Se o ministro Edson Lobão não cuidar da área de energia de maneira técnica, repetindo o desempenho de José Jorge no governo Fernando Henrique, pode ser que o governo Dilma seja vitimado por um novo apagão. É possível listar numerosos erros aleatórios que venham a derrubar de maneira assustadora a popularidade de Dilma, o que não é possível é afirmar que os erros cometidos terão como fonte a ideologia estatizante do PT. Esse tipo de erro não ocorrerá.
O erro sistemático de Serra
Aliás, em se falando em tipos de erros, a campanha de Serra é um excelente exemplo de erro sistemático. O grande defeito de Serra é que ele pensa como alguém de esquerda, talvez ele seja de esquerda. Isso não se encaixa em uma campanha de oposição a um governo também de esquerda. As promessas de campanha de Serra – quando afirmo isso tenho em mente em particular a defesa de um salário mínimo de R$ 600, a duplicação do Bolsa Família e o 13º para o Bolsa Família – impedem o candidato derrotado de fazer oposição. Para se opor, por exemplo, à proposta de salário mínimo de R$ 540 do governo Dilma, o candidato derrotado terá que defender os R$ 600 prometidos. Porém, todos sabem que isso acarretaria aumento de impostos, o que está rigorosamente de acordo com o ideário esquerdista.
Aliás, aumento de impostos nunca foi problema para o governo Lula. O ex-presidente acha a carga tributária brasileira justa. Pode ser que Serra também pense assim; afinal, no último debate antes da eleição, ele disse que não seria possível baixar a carga tributária da folha de pagamento, ao passo que Dilma afirmou o oposto.
Publicado no jornal “Valor Econômico” em 14/01/2011
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