Não é o fim do mundo
Do Instituto Millenium
Autor: Paulo Guedes
O cenário econômico global torna-se mais conturbado. Primeiro desabaram os americanos, pelos excessos de suas autoridades e seus financistas. Depois os anjos caídos, social-democratas europeus expulsos do paraíso por seus abusos e limitações cognitivas em matéria econômica.
E, quando finalmente os esforços de reflação da demanda desatolavam a economia ocidental, explodiram os preços das matérias-primas industriais, da energia e da comida.
Esse fenômeno do cost-push global, pressões inflacionárias na base da cadeia produtiva, é uma resposta da natureza às políticas contracíclicas acionadas ao mesmo tempo em todo o mundo em 2009-2010. A economia mundial já seguia em rota de menor crescimento e maior inflação para o biênio 2011-2012 quando sofreu dois novos choques desfavoráveis.
Os distúrbios políticos no mundo árabe, do Norte da África ao Oriente Médio, são um desdobramento desses aumentos extraordinários dos preços da comida e da energia. A intervenção militar internacional na crise da Líbia apenas colocou em destaque a disputa geopolítica por recursos naturais e a explosão do preço do petróleo.
A catástrofe japonesa é também um choque de oferta adverso. A destruição da capacidade produtiva, o colapso da infraestrutura, a desorganização das cadeias de suprimento e a ruptura dos fluxos de comércio agravam a desaceleração econômica e as pressões de custos que já se manifestavam em toda parte. E, como se trata da segunda maior economia industrializada, há também importantes canais de transmissão do choque japonês às condições de demanda das economias ocidentais. As quedas das bolsas, e a consequente redução nos planos de consumo e investimentos em outros países, são uma estimativa inicial dos estragos à frente.
Por décadas, os japoneses conseguiram saldo comercial positivo vendendo aos demais países mais do que compravam. Esse dinheiro foi aplicado nos principais centros financeiros mundo afora. Agora, há o receio de uma venda de ações e imóveis por japoneses em mercados já congestionados, uma liquidação de títulos do governo americano, com a repatriação desses fundos para financiar a reconstrução do país.
O custo humano dessas tragédias é incalculável. Mas, do ponto de vista estritamente econômico, os efeitos desses choques não se comparam aos do colapso de 2008-2009. É cedo para anunciar o fim do mundo.
Fonte: “O Globo”, 21/03/2011.
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