Melancólica Desilusão (16/01/78)
*Eugênio Gudin Filho
Dentre as coisas que eu almejava ver realizadas, antes que a avançada faixa etária a que pertenço chegasse ao desfecho final, figurava a esperança de ver desaparecer o nome de meu país entre os das nações latino – americanas governadas por generais que se revezam no governo, de forma mais ou menos pacífica e endêmica.
Tendo agora sido escolhido, em sucessão ininterrupta, para o governo da Nação, o quinto general, não tenho evidentemente qualquer possibilidade de ver realizada a minha esperança, já que a futura sucessão será em 1985...
Durante largo período de minha vida profissional, lidei com a administração de empresas estrangeiras (que só fizeram contribuir para o bem do Brasil). Isso me obrigava a curtas mas freqüentes estadas no exterior. E nem sempre era fácil desviar a conversa dos acontecimentos políticos da América Latina, em que geralmente se incluía o Brasil. Eu sempre destaco então três argumentos tendentes a mostrar que o Brasil não era um país sul-americano, como os outros:
1) Porque os Presidentes da República do Brasil saíam invariavelmente pobres do Poder.
2) Porque não se podia apontar no Brasil qualquer militar enriquecido no Poder, como Perón, Rocha Pinella, Perez Ximenez, etc.
3) Porque o Governo no Brasil não era exercido por generais ou coronéis, os quais só interviam na esfera política, em casos de crise, como “Poder Moderador”, de função temporária para o estabelecimento da Ordem Civil.
Confesso que não levava a defesa de nossos costumes e tradições políticas, eleições e processos partidários, muito além dos 3 itens supracitados, salvo no acrescentar que a espécie de democracia que funcionava no Brasil até 1930 tinha trazido ao Governo da República vários brasileiros lustres.
Não é portanto sem um sentimento de melancolia que, com eleição por 6 anos de um quinto general para o Governo do Brasil, vejo desfeitas as esperanças que nutria no campo de nossa estrutura política. O Brasil terá por Presidente um General, como a Argentina terá Videla; o Chile, Pinochet; o Paraguai, Stroessner, etc.
Acontece como agravante no caso que o novo Presidente, apesar de não ser um nome nacional, vai ser “de fato” escolhido “exclusivamente” por seu antecessor, sem a participação política dos Estados nem dos órgãos representativos da Opinião do País.
Não é que sob o regime da República Velha, a escolha do Presidente se realizasse de modo democraticamente modelar. Mas, como dizia Rodrigues Alves ao deixar o Governo do Estado de São Paulo em 1918, a escolha do Presidente há de ser sempre feita por acordo entre os partidos políticos majoritários dos grandes Estados, ou, em falta desse acordo, recair sobre um homem de valor vindo do Nordeste ou do Norte. Nunca por arbítrio pessoal de ninguém (todos sabem que o candidato “in petto” de Rodrigues Alves para seu sucessor, em 1906, era Bernardino de Campos e não Afonso Penna). Os nossos militares políticos de hoje devem portanto se lembrar de que “est modus in rebus”.
Quando da campanha civilista que precedeu a eleição de Hermes da Fonseca, único militar levado à Presidência, Ruy lembrou em carta que ficou célebre que as alternativas eram múltiplas. O Pará, por exemplo, poderia apresentar o Sr. Lauro Sodré, os Srs. Bias Fortes e Francisco Sales; São Paulo, os Srs. Rodrigues Alves, Bernardino Campos e Campos Sales; Santa Catarina, o Sr. Lauro Muller; o Rio de Janeiro, os Srs. Nilo Peçanha e Quintino Bocaiúva; o Rio Grande do Sul, os Srs. Pinheiro Machado e Borges de Medeiros; o Brasil, o Sr. Barão do Rio Branco. Parafraseando Ruy poder-si-ia talvez dizer que o Pará poderia apresentar o Sr. Passarinho, o Maranhão, o Sr. Sarney, Minas, o Sr. Magalhães ou o Sr. Aureliano Chaves, São Paulo, o Sr. Delfim, o Sr. Setúbal, o Sr. Sodré, o Rio Grande do Sul, o Sr. Krieger ou o Sr. Guazelli, a Bahia, o Sr. Luis Vianna.
Ninguém poderia alegar carência de nomes civis dignos da investidura. Nada disso importa na mais mínima prevenção de antipatia de minha parte às Classes Armadas, às quais cabe, na América Latina, a importante missão de manter a Defesa Externa do país, como a Ordem e a Segurança internas. A classe militar (antes o Brasil inteiro) pode se orgulhar de ter dado ao Governo do país um dos maiores estadistas de sua História. Infelizmente Castelo Branco reduziu ele próprio, o quanto pôde, seu período de Governo, enquanto agora trata-se de aumentá-lo.
Em dois recentes artigos que escrevi, procurei dar as razões por que entendo que os militares não são geralmente educados e preparados para o exercício do poder político do país (inclusive pela possibilidade trágica de uma sizania).
Todos os que me dão a honra de ler estes artigos sabem bem dos comedimentos com que recomendo o regime de nossa democracia, especialmente no tocante à interferência do Poder Legislativo na questão da despesa como nos feios necessários à Demagogia.
Mas daí a apoiar os AI de arbítrio e até desrespeitar o Poder Legislativo vai um abismo.
O acesso ao Poder Judiciário é um imperativo categórico mesmo em países apenas parcialmente desenvolvidos.
Daí a estranheza que me causou o fato de não ter o atual e ilustre Presidente, homem culto, experiente e preparado, dado execução durante seu Governo as providências de democratização que agora parece recomendar a seu sucessor. O país está em paz com todas as Nações, a Ordem e Tranqüilidade interna asseguradas, o terrorismo satisfatoriamente controlado. Não havia, nem há, necessidade de permitir desde já a volta ao cenário político do Partido Comunista e muitos menos dos badernistas de campeavam em 62/64.
A conjuntura econômica não é brilhante e dificilmente poderia sê-lo, porque do lado externo sofremos o gravame do petróleo e do lado interno uma inflação que excede 2% ao mês, situação que o Governo Geisel prefere suportar a enfrentar as agruras do desemprego e da recessão. Diante dessa “Mágica Tríplice”, a que se referem os economistas: estabilidade de preços, pleno emprego, e desenvolvimento, o Governo Geisel exerceu a opção de relegar a primeira a segundo plano, relativamente às outras duas. Nada portanto justificava que o Presidente Geisel transferisse o problema da democratização do país ao se sucessor.
*Eugênio Gudin Filho (Rio de Janeiro, 12 de julho de 1886 - Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1986) foi umeconomista brasileiro, ministro da Fazenda entre setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo de Café Filho.
Formado em Engenharia Civil em 1905 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, passou a interessar-se porEconomia na década de 1920. Entre 1924 e 1926, publicou seus primeiros artigos sobre Economia em O Jornal, do Rio de Janeiro.
Em 1944, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema, designou Gudin para redigir o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de Economia no Brasil. Nesse mesmo ano, foi escolhido delegado brasileiro naConferência Monetária Internacional, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird)
Durante os sete meses em que foi ministro da Fazenda (1954-1955), promoveu uma política de estabilização econômica baseada no corte das despesas públicas e na contenção da expansão monetária e do crédito, o que provocou a crise de setores da indústria. Sua passagem pela pasta foi marcada, ainda, pelo decreto da Instrução 113, da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que facilitava os investimentos estrangeiros no país, e que seria largamente utilizada no governo de Juscelino Kubitschek. Foi por determinação sua também que oimposto de renda sobre os salários passou a ser descontado na fonte.
Ricardo Bergamini
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