A SELIC não é o único fator responsável pelo alto lucro dos bancos e pelo elevadíssimo custo dos empréstimos tomados junto ao sistema financeiro. O que contribui sobremaneira é a facilidade com que os bancos super-exploram seus clientes, sem que as autoridades governamentais tomem qualquer medida para coibir os abusos cometidos.
Ao longo do mês de outubro é comum começarem a aparecer os resultados dos bancos relativos aos três primeiros trimestres do ano – o período que vai de janeiro a setembro. E os números apresentados podem servir como previsão para os obesos lucros a serem anunciados pelas instituições financeiras operando em nossas terras para o conjunto do exercício de 2011. Como tem sido uma constante ao longo dos últimos anos, a cada anúncio são revelados novos recordes! Nada surpreendente, se levarmos em conta que vivemos sob uma ditadura mal disfarçada do capital financeiro. Tão ou mais poderoso quanto o capital do agronegócio e o das comunicações. Essa é a trinca que verdadeiramente parece mandar e comandar o País.
Para esses primeiros nove meses do ano, a medalha de ouro foi para o Bradesco, com a bagatela de R$ 8,3 bilhões de lucro líquido. Para o mesmo período do ano passado, porém, o Itaú havia ultrapassado o concorrente, tendo alcançado um lucro líquido de R$ 9,4 bilhões. Nunca antes na história desse País as instituições financeiras ganharam tanto dinheiro! E de modo tão fácil. Não é por acaso que os 10 maiores recordes de lucro para esse 3 trimestres ocorreram nesse período mais recente, entre 2007 e 2011. A maior parte da farra ficou por conta da duplinha dinâmica Itaú e Bradesco, que alcançaram o pódio 7 vezes. Já o Banco do Brasil chegou à frente por 3 ocasiões.
Se calcularmos o lucro líquido do Bradesco em termos de dias úteis, chegaremos à cifra de R$ 44 milhões diários. Ou seja, R$ 5,4 milhões por hora trabalhada e R$ 90 mil por minuto. No limite, o lucro líquido sendo acumulado na base de uma gotinha de R$ 1.500,00 por segundo. Nada mal para uma atividade que não produz nenhum bem tangível e que ganha apenas na especulação irresponsável com recursos de outrem.
É amplamente sabido que uma das principais fontes de ganhos do setor financeiro é a política monetária de juros estratosféricos levada a cabo pelos diversos governos ao longo das últimas décadas. E em especial a partir do Plano Real, em que a estabilidade macroeconômica foi buscada a qualquer custo, em especial pela rigidez ortodoxa da taxa oficial de juros lá em cima. No entanto, essa não é a única razão. A definição da taxa SELICpelo COPOM em patamares que a qualifica como a mais alta do planeta provoca distorções enormes em nossa economia. Ela opera como uma taxa referencial de remuneração financeira e de rentabilidade negocial de uma forma geral na sociedade. E isso provoca uma verdadeira contaminação da cabeça e do comportamento de indivíduos, empresas e do próprio governo.
Ninguém aceita uma rentabilidade menor do que 12% nominais ou por volta de 6% reais ao ano. Com isso, é reforçada a tendência à financeirização da nossa sociedade, pois esse tipo de cálculo de retorno passa a ser considerado algo dentro da “normalidade” sócio-cultural de nosso padrão comportamental.
Além disso, a taxa oficial elevada contribui para reduzir o crescimento futuro da economia, pois inibe a taxa de investimento pelo alto custo dos empréstimos. Para os setores próximos do poder, surge a generosidade das taxas subvencionadas oferecidas pelo BNDES, sobre cujos empréstimos incidem os juros da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente na faixa de 6% ao ano. O pagamento da diferença dessa conta fica com todos nós, via despesa do orçamento da União. A SELIC tão alta constitui, por outro lado, forte atrativo para a avalanche de capital especulativo que para cá vem de todos os cantos do mundo, sobrevalorizando nossa taxa de câmbio e contribuindo para déficit nas contas externas. As exportações de bens manufaturados são prejudicadas e inundamos nosso mercado com produtos manufaturados de baixa qualidade importados de outros países, em especial da China. Nossa economia se desindustrializa a olhos vistos!
De outra parte, é importante registrar que um dos efeitos mais deletérios da SELIC nas alturas é o comprometimento substantivo do quadro orçamentário para o pagamento de juros e serviços da dívida pública. Com a busca cega do cumprimento das metas de superávit primário, a sociedade termina por sacrificar despesas vitais e essenciais com saúde, educação, infra-estrutura e similares para destinar recursos públicos para um setor bastante reduzido que se beneficia do parasitismo financeiro.
Mas a SELIC não é o único fator responsável pelo alto lucro dos bancos e pelo elevadíssimo custo dos empréstimos tomados junto ao sistema financeiro. O que contribui sobremaneira é a facilidade com que os bancos super-exploram seus clientes, sem que as autoridades governamentais tomem qualquer medida para coibir os abusos cometidos. O mais grave deles, com certeza, está associado à diferença das taxas praticadas pelo sistema financeiro. De um lado, a remuneração oferecida aos clientes pelas aplicações ali efetuadas. De outro lado, as taxas cobradas desses mesmos clientes quando da tomada de empréstimos. Trata-se do famoso “spread” bancário, quesito no qual nosso País também é campeão mundial.
Resolvi verificar os valores em um extrato, para oferecer números bem objetivos. No caso, a instituição bancária oferecia a remuneração de 10% ao ano para recursos deixados depósitos em fundos financeiros administrados pelo conglomerado. No entanto, se o cliente necessitasse entrar no chamado “cheque especial” por alguma emergência ou problema de caixa, o mesmo banco cobrava a taxa de 207% ao ano pelo recurso solicitado! Uma loucura! Essa brutal diferença entre as taxas nas diferentes operações é um absurdo. E o pior é que tal fato tem contado com a complacência e até mesmo com o estímulo dos sucessivos governos, que nada fizeram para imprimir ao Banco do Brasil (BB) e à Caixa Econômica Federal (CEF) um comportamento de bancos efetivamente “públicos” – como deveriam ser – no mercado financeiro.
Assim, além da pressão para reduzirmos a SELIC de forma efetiva, faz-se necessário um movimento na direção de exigir que os bancos que são propriedade do governo federal mudem drasticamente seu comportamento empresarial. E isso passa pela redução do “spread” cobrado nas operações, na redução das abusivas taxas cobradas pelos serviços prestados e no estabelecimento de uma conduta de bancos que prezam pelo interesse da comunidade e não pela busca tresloucada de lucros a qualquer preço. Não tem o menor cabimento que o BB e a CEF se apresentem aos clientes com o mesmo “modus operandi” que seus concorrentes privados, como Itaú, Bradesco e outros.
Caso contrário, corre-se o risco de obter uma vitória importante na redução da SELIC sem que sejam sentidos os impactos na cobrança das taxas no balcão de atendimento dos bancos. Os impactos macroeconômicos acima citados, derivados da redução da taxa oficial, serão bem vindos, é claro. Haverá mais recursos orçamentários para gastos prioritários. Mas o custo dos empréstimos a ser contratado por empresas, famílias e indivíduos continuará sendo muito alto. Aqui, nesse caso, o governo deve atuar na linha de orientar os bancos federais a reduzirem de forma drástica suas margens de “spread”. Com isso, os grupos privados serão constrangidos a adotar o mesmo caminho, caso não queiram perder a clientela para as instituições públicas que ofereceram taxas mais aceitáveis nos empréstimos.
Finalmente, deve caber ao Banco Central, bem como aos demais órgãos do governo atuantes na área econômica, a elaboração de normas e regras visando a defesa do lado mais frágil na relação dos agentes econômicos com as instituições financeiras. E isso significa voltar a divulgar as pesquisas a respeito dos “spreads” cobrados pelos bancos e no estabelecimento de limites para essa prática abusiva.
O sistema financeiro é um exemplo bem característico daquilo que os manuais de economia chamam de “mercado assimétrico”. Ou seja, uma situação em que os agentes de oferta e os agentes de demanda encontram-se em evidente desigualdade de condições para fazer valer a sua vontade. Sim, pois ao contrário do que chegou sugerir o ex-presidente Lula em abril de 2005, o problema dos juros altos não é a “falta de vontade do brasileiro em levantar o traseiro da cadeira” [1] para procurar uma taxa mais baixa. Os bancos privados exercem um jogo de oligopólio e contam com a solidariedade dos bancos públicos nessa manobra. Nesse caso, cabe ao poder público uma atuação no sentido de evitar o abuso de poder econômico dos grandes conglomerados. Ou seja, é necessário ainda mais presença do Estado do que simplesmente a orientação aos integrantes do COPOM para que reduzam a SELIC.
NOTA
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
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