TOM CAPRI: SARAMAGO NÃO ACREDITAVA NA DEMOCRACIA

A democracia em debate. Participe.

A visão crítica que tinha

Saramago da democracia

Dedicado  àqueles que desistiram no meio do caminho e correm o risco de morrer sem entender o que é verdadeiramente a democracia .

Não sei muito de José Saramago nem gosto tanto. Sei por exemplo que Saramago era ateu. O mínimo que um ser humano deve ser, no século 21, posto que a religião é o maior cancro da humanidade, discussão evidentemente para outro dia. Sei também que, embora se dissesse marxista e comunista, Saramago não entendeu nem Marx nem o comunismo, conversa também para outro dia. Mas Saramago chegou muito próximo de entendê-los plenamente. E sua visão de democracia, por exemplo, ainda que imprecisa, bate muito com a científica e verdadeira de democracia.

Para Saramago, a democracia tornou-se mero instrumento do poder financeiro, o que deve ser entendido como "instrumento do capital", e por isto precisa ser combatida. Isto é em parte verdade, verdade científica.

O ponto impreciso de Saramago está em dizer que "a democracia tornou-se", quando, na verdade, desde que o capitalismo começou a se globalizar, ela, em vez de "tornar-se", nunca deixou de ser instrumento de defesa e proteção do capital. Ou seja, não se tornou "instrumento do poder financeiro", já nasceu assim desde que existe o poder financeiro.

E mesmo na Grécia Antiga, onde se originou, a democracia já nasceu como instrumento de defesa e proteção das classes dominantes de então. Nunca foi, desde aquela época até nossos dias, uma forma de governo do povo, pelo povo e para o povo.

Na Grécia Antiga, o povo eram os escravos, originários de outros povos e que não tinham vez nem direito a nada. Nem seres humanos eram! Só os cidadãos --- os detentores de escravos e proprietários de terras (conquistadores gregos de "raça pura", os cidadãos) --- tinham direitos na democracia grega, inclusive a voto. E a escravidão era prevista em leis, então criadas e baixadas pela democracia grega.

Na verdade, a democracia foi a única forma encontrada, pelas classes dominantes gregas daquele período, capaz de equacionar a questão das disputas pela propriedade das terras e dos escravos, ou seja, foi o único instrumento capaz de evitar que os proprietários de terras e de escravos daquele período se engalfinhassem pelos espaços e pela posse de escravos, levando à concentração e aos monopólios.

Havia uma guerra intramuros entre os representantes das classes dominantes. Quem era proprietário de menor porte não queria perder sua propriedade nem sua condição de classe dominante. A democracia caseira grega surge em boa hora para salvá-lo de perder o que possuía, deixando de lado, evidentemente, o povo, ou seja, os escravos.

De lá para cá, não houve evolução na democracia nem no seu conceito. As classes dominantes que foram surgindo, a partir de então, sempre mantiveram a democracia dessa forma, como mero instrumento de dominação e conservação da estrutura de classes de cada época.

Assim, todas as democracias que temos hoje, da Europa aos Estados Unidos, têm esse perfil: não passam de instituições de defesa e proteção do capital (em suma, da classe dominante). É ingênuo quem não vê assim. Saramago viu, só errou ao achar que a democracia havia se tornado algo assim, destinado a proteger e a defender as classes dominantes de cada época, quando na verdade ela sempre foi essa farsa.

Saramago também jamais percebeu que, enquanto houver sociedade de classes, seja de talhe capitalista ou não, não poderá haver democracia autêntica, como essa idealizada pelo senso comum (do povo, pelo povo e para o povo): sempre, as classes dominantes irão se valer dessa "democracia caseira grega" para fazer prevalecer seus interesses, deixando de lado o povo. Saramago imaginava que, ao contrário, o "poder financeiro" (o capital) apenas havia desviado a democracia de seu rumo correto e que era preciso reconduzi-la ao rumo certo, noção muito equivocada.

É fato, nas democracias o povo geralmente pode votar, mas se ilude ao achar que escolhe de fato em quem votar. Quando não há aquela peneira para "selecionar" previamente o candidato, como no bipartidarismo dos Estados Unidos, o "eleito pelo povo" é obrigado a se curvar depois às vontades do capital (ou do "poder financeiro" de que fala Saramago) e abrir mão de todas as causas que sempre defendeu.

Vide Lula, que só se elegeu porque, antes, fizera pacto com o capital, do tipo: nós elegemos você, mas em troca você nos oferece sua alma e não dará jamais um único passo em defesa das grandes causas que sempre abraçou. Hoje, Lula no máximo consegue apoiar o Irã a vir a ter um dia a bomba atômica, o que não é pouco, mas está longe de ele ser aquele que empunhava a bandeira do socialismo e prometia acabar com a fome no País. 

Abraços a todos, Tom Capri.

Clique  para ver Saramago falando sobre a democracia.

http://www.youtube.com/watch?v=m1nePkQAM4w&feature