Ensino para o século 19
Sou escritor e consultor. Professor, só duas vezes por semana. Por isso posso dar-me ao luxo de ter uma agenda flexível: trabalho em casa, fujo do trânsito, entro em contato com a maioria das pessoas com quem convivo via telefone e internet.
Nada me impede de largar tudo e ir para a praia no exato momento em que você lê este artigo em sua mesa de trabalho. Só não o faço porque, como todo mundo, aceito mais demandas do que seria humano atender.
Com a digitalização dos processos, cada vez mais profissionais têm regimes de trabalho como o meu, com reuniões em cafés e um código de vestimenta sem considerações mais profundas do que se uma peça de roupa está limpa, inteira e razoavelmente desamassada. A vida tecnológica tem, muitas vezes, a aparência desleixada da de um estudante universitário.
A maioria das escolas, no entanto, ainda parece qualificar o profissional do século 19. As que frequentei, por exemplo, me prepararam para um mundo muito diferente. Comparadas com a rotina que levo hoje, eram quase paramilitares.
Se diziam progressivas, mas tinham códigos de vestimenta, horários rígidos, filas, contagens e chamadas. Avaliações aleatórias, sem direito a consulta, eram a norma. Como também o eram os trabalhos individuais, o preenchimento de relatórios e formulários para a realização de qualquer tipo de atividade, as punições morais na forma de notas e as restrições de circulação.
Mas o pior eram o que chamavam de aulas: aquelas longas sessões em que informações desconexas eram impostas por autocratas entediados a uma audiência trancafiada e imóvel, sem poder de voto, argumentação ou debate, que tinha que decorar nomes de organelas, fórmulas de mecânica, sistemas políticos gregos e reações de oxidação, mesmo que mostrasse vocação para o jornalismo ou eletrônica.
Não é preciso dizer que telefones celulares, YouTube e mídias sociais, se existissem na época, certamente seriam proibidos, sob a justificativa de atrapalharem a didática. O sistema, enfim, era mais claro em suas restrições -- de movimento, de expressão e de atividade-- do que em suas propostas. Se é que existia alguma proposta além de passar em um tal de exame vestibular para profissões hoje extintas.
As escolas de hoje são, é claro, diferentes. Mas não muito. Não sou pedagogo, mas me parece inadequado chamar de educação um sistema que desperdiça vários anos em um curso preparatório para uma única prova. E que, mesmo depois do obstáculo ser transposto, se perpetua pelos anos de faculdade, em nome da adequação para o mercado de trabalho. Que trabalho ainda demanda um comportamento de decorebas e isolamento?
É duro admitir, mas a maioria das crianças e adultos ainda vêm sendo adestrados segundo padrões do século 19. Qualquer profissional adaptado ao mercado contemporâneo sabe que o aprendizado é um processo contínuo, infinito e prazeroso. Ou pelo menos deveria sê-lo. Não surpreende que a maioria dos que se sentem adaptados sejam autodidatas. Ou que não tenham aprendido quase nada do que praticam em sala de aula.
Tampouco surpreende ouvir de profissionais bem-sucedidos que a faculdade mais os atrapalhou do que ajudou. Ou de tantos estudantes comentarem abertamente que seu maior objetivo é sair da escola rápido para começar a trabalhar logo de uma vez. Mesmo que depois voltem a ela em busca de novos certificados e mestrados, como se o conhecimento fosse finito e pudesse ser encapsulado, enclausurado... e esquecido.
É preciso rever a forma com que é ensinado, avaliado e cobrado o que se mostra nas escolas. Qualquer nerd ou gamer sabe muito bem que, quando o desafio é fascinante e socialmente reconhecido, os professores são reverenciados e os certificados, quase acessórios.
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