O que leva as empresas a contratar os serviços de consultorias como a Projeto, do ministro Antônio Palocci?
O Brasil fechou a última semana com uma leva de boas-novas na economia. Na terça-feira 24, a agência Standard&Poor's elevou de estável para positiva a perspectiva para o rating brasileiro. No dia seguinte, a resposta para os bons fundamentos econômicos veio na forma de recorde de investimentos diretos estrangeiros: US$ 5,5 bilhões em abril, ou US$ 22,9 bilhões no acumulado do ano. Na quinta 26, foi a vez de o IBGE alardear mais um recorde brasileiro, com uma taxa de desemprego de 6,4%, a menor para meses de abril, em nove anos.
Tudo às mil maravilhas, não fosse por um pequeno grande detalhe. Enquanto o País esbanja alegria no campo econômico, o clima azedou na esfera política. A crise envolvendo o ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, cujo patrimônio cresceu mais de 20 vezes em quatro anos, reacendeu um debate recorrente no capitalismo: a contratação pelas empresas, a peso de ouro, dos serviços de ex-ministros e ex-funcionários do alto escalão do governo.
Até que ponto gastar milhões de reais com trabalhos de consultoria e palestras de ex-figurões vale a pena? Num país em que o Estado aumenta cada vez mais a presença na economia – para o bem ou para o mal –, não há presidente de empresa que não avalie os benefícios e os riscos de assumir relações comerciais perigosas e potencialmente explosivas com pessoas com bom trânsito nas entranhas do poder.
"Todos sabem que o Palocci é o Pelé da economia". Luiz Inácio Lula da Silva,
ao justificar a contratação da consultoria do seu ex-ministro pelas empresas
No período de entressafra entre o governo Lula e o atual, Palocci fez palestras e deu assessoria econômica a diversas empresas por meio da sua consultoria, a Projeto. Não era segredo para ninguém que Palocci prestava esse tipo de serviço. Ele sempre foi celebrado pelos empresários, que o viam como um eficiente intérprete da economia, depois de uma elogiada atuação à frente do Ministério da Fazenda (2003-2006). Foi essa fama que o fez receber convites para consultorias.
E, também, seu trânsito fluente no governo. É nesse último ponto que reside a sensível fronteira entre o público e o privado, o ético e o questionável. Palocci ainda deve explicações mais precisas sobre o seu rápido enriquecimento – seu patrimônio passou de R$ 375 mil em 2006 para mais de R$ 7,5 milhões em 2010 – e algumas empresas que o contrataram, como a construtora WTorre e a Amil, se defendem das acusações de uso de tráfico de influência e favorecimento junto ao governo.
Seja qual for o veredito – cresce na oposição a ideia de instalar uma CPI do Palocci –, o fato é que não há nada de novo sob o sol nesse aspecto. Informação é poder e, portanto, traz dinheiro. Nos Estados Unidos, uma pesquisa divulgada na semana passada pelo Huffington Post revelou que 300 congressistas americanos ganharam acima de 6% ao ano, além da média do mercado, em suas transações nas bolsas de valores, entre 1985 e 2001. Qual o segredo? Ou eles atuavam com base em informações privilegiadas, ou votavam em benefício próprio – ou as duas coisas.
Não é à toa que, no Brasil, muitos empresários procurem construir pontes – legítimas ou não – com quem está no poder. O empresário Gui Pacheco, sócio da agência de publicidade Agnelo Pacheco, que atua no Distrito Federal, faz um diagnóstico. “A expertise de quem já trabalhou no governo ajuda a iluminar os caminhos”, afirma Pacheco, um dos poucos executivos consultados pela DINHEIRO que aceitou falar sobre o assunto.
A Agnelo Pacheco é responsável pela propaganda dos ministérios da Saúde, do Turismo e de Cidades. O empresário opina que a experiência de um profissional na máquina pública tem muito valor. “Nunca teremos o mesmo nível de informação sobre o governo do que alguém que já trabalhou lá dentro”, diz.
Segundo Pacheco, as consultorias com ex-integrantes do staff público acontecem na forma de seminários, palestras e reuniões. Foi esse também o formato da consultoria contratada pela construtora WTorre ao então ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci, entre 2007 e 2009. Palocci frequentou a construtora por 22 meses, não consecutivos, explica o empresário Walter Torre Jr. (veja entrevista abaixo).
“Era um período em que buscávamos investidores estrangeiros e ele tinha muito conhecimento sobre o mercado externo”, disse Torre Jr. à DINHEIRO. Como ele, o banco Santander também contratou a Projeto Consultoria para análises econômicas e financeiras. O banco espanhol, porém, é questionado pelo fato de ser parceiro do governo em algumas operações, como a da compra de jatos 195 da Embraer, com 80% de financiamento do BNDES, que seriam alugados à empresa aérea Azul.
A operação é estimada em US$ 250 milhões. A WTorre, por sua vez, foi alvo de acusações por parte de deputados do PSDB, que encontraram ligações suspeitas entre as doações da empresa à campanha da então candidata Dilma e a liberação de créditos que estavam presos na Receita Federal em datas muito próximas. As duas empresas estão sendo chamadas a dar explicações sobre as práticas de consultoria com Palocci.
A burocracia pode explicar a contratação de ex-funcionários públicos como atalho para transpor os labirintos da máquina pública: eles conhecem nomes e rotinas das áreas em que já atuaram. “Muitas empresas querem acesso, principalmente em Brasília. Têm um problema e não sabem nem por onde começar, pois não conhecem os procedimentos”, afirma Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da Barral M. Jorge Consultores, junto com o ex-ministro do Desenvolvimento Miguel Jorge.
Mas, no caso de Palocci, essa justificativa se mostrou frágil. Isso porque o faturamento da Projeto Consultoria supõe que seus clientes remuneraram muito bem o consultor: em 2010, a empresa de Palocci faturou R$ 20 milhões. Diante da pressão por respostas, a defesa do ministro precisou do reforço do ex-presidente Lula, que na semana passada entrou em cena como articulador político, no PT e PMDB, para tentar blindar a Casa Civil.
A presidente Dilma também foi a público na quinta 27, para defender o ministro. “Quero assegurar que o ministro Palocci está dando todas as explicações para os órgãos de controle”, afirmou a presidente. Ela também lamentou a politização do episódio de restituição tributária – após ordem judicial final – à WTorre.
A pergunta que fica é: vale o risco para as empresas desembolsar recursos com serviços que não ficam claros para a sociedade, como os do ministro da Casa Civil? Para Cláudio Abramo, presidente do instituto Transparência Brasil, o ilegal e o imoral se misturam quando política e empresas se unem para obter favorecimentos. “As empresas nunca tomam decisões baseadas numa visão moral”, diz Abramo. “Embora não exista ilegalidade em alguns serviços, cláusulas de confidencialidade entre políticos e empresas sempre escondem interesses escusos.”
"Contratei o ex-ministro quando ele estava em baixa"
Na semana passada, o empresário Walter Torre Jr. viu seu nome exposto no noticiário político, com acusações de favorecimento à sua empresa para liberação de recursos pela Receita Federal, em troca de doações, no ano passado, para a campanha da então candidata Dilma Rousseff. “A liberação saiu não só para mim, mas para 3,9 mil empresas, depois de três anos brigando na Justiça”, disse o empresário à DINHEIRO. Confira a entrevista:
Existe alguma ligação entre a liberação dos créditos da Receita e a doação durante a eleição da então candidata Dilma Rousseff?
Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Eu estava brigando, havia três anos, na Justiça, por um dinheiro que era meu. Não fui só eu que recebi, foram 3,9 mil empresas que a Justiça entendeu que deveriam receber créditos devidos. A doação aconteceu em dias próximos por uma coincidência. Foi no mesmo dia em que doei para a campanha de candidatos do PSDB, por sinal. São tristes ilações.
Por que o sr. contratou o então ex-ministro Palocci?
Era um tempo de indefinição na economia (2007-2008). Nós sempre contratamos consultorias econômicas para palestras não só com nossos funcionários, mas para nossos clientes. Naquela época, o Palocci estava afastado do governo e estava bem em baixa na política. Quando nós o pegamos ele não estava com força nenhuma, em 2007. Depois, por acaso, ele ficou forte outra vez.
Mas o que ele tinha a oferecer?
As pessoas esquecem, mas naquele tempo se desenhava uma crise global sem precedentes e precisávamos ser orientados. Não só por ele. Contratei diversas consultorias, como a FGV e a Fundação Dom Cabral. Minha empresa sempre ouviu consultores de fora para entender os cenários.
Quais negócios a WTorre tem com o governo hoje?
Tudo que temos é por meios legais. Investi US$ 650 milhões num prédio de última geração no Rio cujas salas serão alugadas por R$ 90 o metro quadrado pela Petrobras. Isso depois de três anos de negociação com eles. Um preço baixo, bom para eles, e não é lucrativo para mim. E ainda me dizem que fui favorecido. Outro prédio, em São Paulo, foi alugado para a Previ, por meio da consultoria Richard Ellis, a quem tive de pagar 6% de comissão. A Previ ganhou depois de um leilão feito pela Richard Ellis que recebeu dezenas de propostas.
Por Carla Jimenez e Hugo Cilo
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