Vinicius Messina*
Em 2010, Niterói das Águas de Abril alcançou o mais caro e alto patamar da opinião nacional como exemplo antiquado de cidade e gestão. Se nos últimos vinte anos, a imagem da cidade e a economia municipal se desenvolveram com a propaganda municipal da qualidade de vida, também multiplicaram a população de Niterói com milhares de novos cidadãos. Muitos moradores novos deixados abaixo da linha de pobreza, em situações de risco, sem cidadania e, o que parece, longe dos olhos do governo.
A continuidade de governo levou Niterói, a “primeira cidade em qualidade de vida”, a um suceder fatal de erros nas obras, planos e decretos nesses vinte anos. Controle urbano e ordenamento territorial não foram balizados por um planejamento democrático do zoneamento e por investimentos públicos em infra-estrutura urbana. Então, o estilo de vida prometido na propaganda aos milhares de novos moradores das classes médias insuflou o mercado de solo urbano, que para crescer requereu da cidade milhares de novos moradores das classes trabalhadoras.
A expansão urbana desordenada e a demanda crescente de mão-de-obra fomentaram a migração de moradores para as áreas excluídas da malha urbana da cidade. Nenhum governo pode dizer que nada podia ser feito nesses anos todos, para que a cidade não crescesse injusta e desequilibrada. Niterói deixou gradualmente de oferecer o estilo de vida que vendeu - uma cidade justa, estável e saudável, tirando dos seus cidadãos a qualidade de vida.
Como esse estilo de vida insustentável requer uma crescente malha de serviços e manutenção, ao mesmo tempo, não inclui as classes trabalhadoras vinda com sacrifícios de longe, uma imensa cidade informal que alguns desconhecem, surgiu totalmente "fora do lugar" para unicamente servir à cidade formal. Essa vizinhança, divididas às vezes por uma via, exerce forte conflito político e psicológico sobre a gestão espacial do território da cidade, mesmo porque, o cidadão da “cidade excluída” requer as mesmas demandas urbanas e cidadania. Contra ele, o governo e o mercado ainda avançam sobre seus territórios para sustentar o estilo de vida de Niterói.
Cidade é o coletivo de cidadão, sem cidadania não há qualidade de vida. O direito à vida é um princípio da humanidade e não um estilo de vida. O cidadão experimenta a cidade como um conjunto de encargos que ele tem de enfrentar diariamente para sobreviver, desde a jornada de trabalho até as condições de moradia, passando pelos serviços públicos de transportes, saúde, abastecimento e educação, todos necessários à vida humana.
A qualidade de vida da cidade e do cidadão depende da qualidade e da estabilidade do ambiente onde ele vive, produz e retém o seu sustento. A água e o solo poluídos afetam drasticamente a saúde e a expectativa de vida do cidadão, ferindo assim os direitos fundamentais. Assim mesmo, o cidadão estabelece com a cidade, relações afetivas e de vizinhança, criando os mais variados laços de cidadania que dão sentido à sua vida social e política.
Por essa razão, as conquistas advindas dos encargos relativos à cidade – como a casa própria, o transporte individual, a escolarização e os bens de consumo – são extremamente valorizadas pelo cidadão, pois sabe medir os encargos que enfrentou para obtê-las. Todavia, mesmo experimentadas como premiação do esforço próprio, tais conquistas não apagam as determinações de tais encargos ou, mais precisamente, da sua posição nas relações de produção. Assim, a moradia é conquistada como mercadoria do solo urbano, que incluirão lazer e segurança quando das classes médias.
Estamos em Niterói diante da rara oportunidade de modificarmos a atual matriz falida de gestão e política pública e que foi incapaz de colocar o direito à vida, à cidadania e ao ambiente equilibrado no centro da agenda política e das diretrizes governamentais. O Estatuto da Cidade foi um marco da efetiva reforma urbana no Brasil, com agenda e indicadores claros de sustentabilidade do desenvolvimento humano, de democratização da gestão pública e de responsabilidade das relações de mercado.
Qual o horizonte? De inclusão e justiça sociais, incrementos da cidadania, dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável. Niterói está desafiada a integrar gestão urbana à gestão ambiental, unindo o urbano, o comunitário e o ambiental. A tarefa de planejar passa a ser uma função pública compartilhada entre Estado e Sociedade – co-responsáveis pela observância dos direitos fundamentais e pela justiça dos processos urbanos.
Se Niterói eleger o princípio social como critério de ocupação do solo urbano, visando a sustentabilidade do desenvolvimento da cidade, romperíamos o elo da especulação e a produção sobre o solo urbano e induziríamos a política urbana de uma cidade íntegra, inclusiva, justa, equilibrada e próspera, tendo a educação e a cultura como ferramentas coletivas de troca de conhecimentos e experiências comunitárias. O espaço urbano deixaria de ser uma mercadoria, mas sim um espaço de vida.
No V Forum Urbano Mundial, a gestão democrática foi o método indicado pela Organização das Nações Unidas para a condução da política urbana sustentável e inclusiva. A organização espacial do território, seguindo o princípio da função social, dará lugar à organização espacial da vida, como necessidade do cidadão e das suas relações com a cidade. Tudo isso é muito novo para as cidades brasileiras, territórios que - vistos como mercados e oportunidades de negócio - nunca foram geridos pelo conjunto de seus cidadãos. Pelo contrário, a história de gestão urbana no Brasil é uma história de promiscuidade e troca de favores entre elites urbanas e gestores na administração pública.
O controle e a participação social devem se firmar num modelo político de gestão e democracia participativas, de mercado e consumo conscientes, e de economia e desenvolvimento sustentáveis; através dos conselhos municipais, das audiências públicas e do orçamento participativo. Por experiência política urbana inclusiva, democrática e sustentável, se entende um conjunto de práticas que inclui, além da divisão do trabalho político, as atividades de formação e qualificação dos agentes comunitários e cidadãos, com o estímulo ao debate público e aberto em que todos se manifestem, se expressem e possam reivindicar a ação política dos agentes públicos.
Com a educação garantiremos o desenvolvimento sustentável de nossa cidade, através da qualificação do cidadão e de seu equilíbrio com o ambiente e o habitat. Por isso, o desafio de Niterói envolve dimensões jurídicas, sociais, políticas e culturais
Vinicius Messina, Viva Niterói*
Conselho Estadual das Cidades do Rio de Janeiro
Conselho Municipal de Política Urbana de Niterói
Conselho Municipal de Meio Ambiente de Niterói
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