O pífio desenvolvimento do Brasil
DO Instituto Millenium
Autor: Mario Guerreiro
Algumas razões do pífio desenvolvimento do Brasil
Excelente o artigo de Maílson da Nóbrega na revista “Veja”, em 19/01/2011, intitulado: “O que a Coreia e a China têm (e nós não)”. Seu autor começa pondo em questão as ideias de que o grande desenvolvimento da China se deve à desvalorização da sua moeda e o da Coreia do Sul às suas políticas industriais.
Maílson considera ambas as ideias simplistas, pois negligenciam não só a complexidade do processo de desenvolvimento, como também as mais relevantes razões da grande prosperidade de ambos os países.
De nossa parte, acrescentamos que, durante a década de 50 do século passado, a China enfrentava grande dificuldade em alimentar sua grande população e a Coréia do Sul, em processo de separação da Coreia do Norte, não era o tigre asiático em que se transformaria mais tarde, porém um país mais pobre do que o Brasil!
Maílson não nega que as políticas industriais tiveram grande importância para o crescimento da prosperidade nos dois países, mas o fator decisivo foi a estratégia empregada: a abertura para as exportações. Lembremos do lema adotado por alguns importantes países: “Exportar é o que importa”.
Enquanto o Brasil temia a concorrência externa e praticava feroz protecionismo – acrescentamos: à medida mesma que adotou a estratégia recomendada pela CEPAL: a de substituição das importações por produtos similares nacionais, coisa desastrosa para a qualidade dos produtos e para a satisfação de seus consumidores.
E Maílson faz uma comparação extremamente pertinente das duas estratégias em jogo: “Para competir (no comércio externo) era preciso adotar tecnologia e gestão típicas dos países ricos, o principal destino de seus produtos. Ganhos de eficiência e produtividade vinham da inovação”.
Enquanto a estratégia de substituição das importações, não só adotada pelo Brasil como também por outros países da América Latina – com a ilustre exceção do Chile de Pinochet – só poderia mesmo resultar no que resultou: industrialização ineficiente e uma cultura favorável ao protecionismo.
Acrescentamos nós: esse processo durou dos governos militares até o governo Sarney em que o próprio Maílson fora ministro da Fazenda no melancólico final do mesmo e fez tudo o que pôde para evitar o pior, não lançando nenhum pacote e fazendo uma gestão “feijão com arroz”, como ele mesmo disse na época.
Lembremos ainda que, no tocante ao caráter desastroso da estratégia de substituição, foi criada no governo Figueiredo a SEI (Secretaria Especial de Informática), que, sob o tolo pretexto de “medida estratégica militar”, nos obrigou a comprar computadores nacionais mais caros e de qualidade muito inferior aos similares importados.
Só nos perguntamos por que razões a IBM e a Microsoft, assim como a Texaco e a Atlantic, nunca foram empresas estatais, como é a nossa Petrobras. Será que o Pentágono nada entende de estratégia militar?
E não devemos nos esquecer que a abertura para as importações ocorreu no governo do renegado Collor quando, por exemplo, foi rompido o cartel da Autolatina (formado pela Ford e pela Volkswagen) e foram recebidas no Brasil outras empresas automobilísticas estrangeiras dispostas a competir no mercado. Quem poderia negar que a qualidade e o preço de nossos automóveis melhoraram muito?
Mas Maílson acrescenta um outro item indispensável para o desenvolvimento de qualquer nação: a educação de boa qualidade. Neste ponto, a China e a Coreia do Sul têm se destacado no cenário internacional. Diz ele: “Nos testes de Pisa 2010, Xangai obteve o primeiro lugar nas três disciplinas avaliadas (leitura, matemática e ciência). Nos 65 países avaliados, a Coreia ficou perto. O Brasil ficou entre os últimos”. Que vergonha nacional!
E acrescentamos nós: no que diz respeito à avaliação internacional das universidades, nossa melhor universidade, a USP, está abaixo das 20 melhores do mundo! Ficamos só imaginando a colocação das demais universidades brasileiras, se é que estas cometeram a ousadia de concorrer com as da Finlândia, da Alemanha, do Japão etc.
Maílson chama nossa atenção para um item bastante relevante: “Na China, a universidade pública não é gratuita, a não ser para quem prova não ser capaz de pagar mensalidades. Aqui a gratuidade na universidade pública é geral, inclusive para os filhos dos ricos, os quais freqüentam as melhores escolas e assim têm maior acesso aos cursos mais valorizados” (só pode ser isso que o finado Pangaré dos Pampas costumava chamar de “socialismo moreno”).
E acrescentamos nós: em vez de melhorar os cursos de primeiro e segundo grau, resolvemos colocar todas as fichas nos de terceiro, como quem constrói uma casa começando pelo telhado.
E ainda por cima não damos o menor valor à meritocracia, sendo a maior prova disso a ação afirmativa com seu sistema de cotas, concedendo enganosos privilégios a vestibulandos pela tonalidade das suas peles, uma excrescência que viola abertamente a Constituição quando ela afirma, clara e inequivocamente, que o ingresso no ensino superior deve ser feito mediante a avaliação da competência dos candidatos.
Além disso, os chineses não parecem padecer de xenofobia, pois, segundo Maílson, a Universidade de Nottingham (Inglaterra) recebeu autorização do governo chinês para funcionar em Ningbo, está oferecendo cursos em inglês e expedindo diplomas. Pergunto eu agora: quantas universidades brasileiras oferecem cursos ministrados por universidades americanas ou inglesas na língua da globalização? Pelo que eu saiba, nenhuma.
E Maílson acrescenta alguns dados macroeconômicos extremamente relevantes: “Em 1978, quando começou a abertura de Deng Xiaoping rumo à economia de mercado, a China exportava 10 bilhões de dólares. Em 2010, as vendas externas atingiram 1,5 trilhão de dólares”.
“Em 1960, a Coreia era um país pobre, com renda per capita menor do que a de Gana e a do Brasil. Em 1980, medida pela paridade do poder de compra, a renda per capita brasileira (3 400 dólares) ainda era maior do que a coreana (2 600 dólares). Dados de 2009: Coreia (27 200 dólares), Brasil (10 400 dólares) e Gana (1 500 dólares)”. Será preciso acrescentar algo à frieza dos números?
Mas em 2011, podemos dizer que o Brasil mudou. De fato, as coisas têm que mudar para que permaneçam as mesmas e plus ça change, plus ça devient la même chose.
Segundo Maílson, “Apesar da ampla literatura sobre o fracasso da substituição de importações, o modelo continua o favorito de segmentos que se opõem à abertura da economia. Empresários defendem abertamente o fechamento. A força sindical pediu ao governo federal medidas protecionistas para reverter o ritmo das importações”.
Coisas que em nosso ver não são nem um pouco surpreendentes. Já dissemos inúmeras vezes que a Era Vargas não ainda não acabou, apesar de algumas descontinuidades. Com o advento da “República Sindicalista do Brasil do companheiro Lula”, ele passou a ser o novo “pai dos pobres e a mãe dos ricos” e com isto, agradou a gregos e troianos.
De um lado, fartamente distribuindo bolsas e agradinhos assistencialistas aos pobres e, de outro, distribuindo empréstimos camaradas do BNDES e reservas de mercado a alguns grandes empresários apaniguados. Até mesmo em Cuba chegou dinheiro brasileiro, para financiar a reconstrução do Porto de Mariel (Só se for para exportar rum, charutos e dissidentes!). Além disso, o companheiro Chávez também recebeu seu quinhão. País rico e generoso é outra coisa!
Como diz muito bem Maílson: “Não surpreende. Afinal o modelo [de substituição] beneficiou empresários escolhidos pela burocracia e trabalhadores das indústrias protegidas. O custo foi transferido à agricultura, a outros setores e ao restante da força de trabalho”.
Acrescentamos nós: apesar de não contar com nenhum apaniguamento, a agroindústria brasileira teve o inegável mérito de ser a principal responsável, durante anos, por sucessivos superávits em nossa balança comercial, mesmo sofrendo constantes ameaças do MST – muitos sem terra comandados por poucos sem-vergonhas, contando ambos com a complacência do governo federal.
Maílson conclui afirmando que “a China e a Coreia enriquecem na esteira de condições e políticas nas quais não costumamos acreditar”, como o empreendedorismo e a inovação.
E completamos: entrepreneurship é uma palavra da língua inglesa que não faz parte do pobre vocabulário de nossos governantes, mas inovação faz parte: um país que gera cerca de 1.000 leis por ano é um país bastante inovador, apesar de contrariar abertamente o sábio e sereno Montesquieu, para quem “As leis inúteis debilitam as necessárias”.
Realmente, tanto a precariedade do nosso sistema educacional quanto o protecionismo tem que fazer parte do elenco dos entraves enfrentados pelo desenvolvimento brasileiro, mas há outros fatores tais como a altíssima carga tributária e a não menor taxa de juros, a pouca poupança e a precariedade da infraestrutura (rodovias, ferrovias, portos) etc. Se Maílson não abordou esses tópicos foi por causa da exigüidade de espaço em sua coluna em “Veja”.
Para compreender melhor nossa lamentável condição atual, de onde partimos, onde chegamos e como podemos sair de onde estamos, é recomendável a leitura do excelente livro de Maílson da Nóbrega: “O futuro chegou: instituições e desenvolvimento no Brasil” (São Paulo. Editora Globo, 2005).
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