Mitos econômicos da esquerda
Do Instituto Millenium
Autor: Mailson Ferreira da Nóbrega
Autor: Mailson Ferreira da Nóbrega
No período militar, a esquerda recorreu à economia para criticar o regime. Criou expressões de impacto. Foi o caso de “arrocho salarial”, para condenar a fórmula que combinava produtividade e estimativa da inflação futura para calcular os salários, então sujeitos a regulação do governo. Fez enorme sucesso.
“Concentração de renda” acusava o regime de privilegiar os ricos. Em conhecido livro, de 1973, Carlos Geraldo Langoni mostrou que havia, sim, ganhos maiores para certos segmentos, mas a explicação estava na educação. Todos ganhavam, mas os mais educados se davam melhor.
“Modelo econômico” era tema recorrente. O “modelo” era na verdade a estratégia de substituição de importações – o “nacional -desenvolvimentismo” – que os militares herdaram e aprofundaram. Suas distorções, incluindo a concentração de renda, eram inerentes ao processo.
Essas teses nunca foram cabalmente provadas, mas contribuíram para minar o regime militar. Serviram mais a propósitos políticos do que para explicar intrincadas questões econômicas. Foram propagadas sem o exame rigoroso de suas hipóteses. Viraram mitos.
Boa parte da esquerda abandonou os mitos, mas o PT os adotou como método de ação política. Antes de chegar ao poder, em 2003, valeu-se deles para ser contra tudo: ajuste fiscal, planos de estabilização, privatização, acordos com o FMI e por aí afora.
Na democracia, apareceram duas novas expressões: “desmonte do estado” e “preço de banana” (o valor de venda de estatais). A primeira, difícil de entender pelas massas, agradava a intelectuais de esquerda e corporações do setor público. A segunda sensibilizava a maioria não afeita às técnicas de avaliação de empresas.
Em 1989, no governo Samey, propôs-se um conjunto de medidas a que se chamou deliberada mente de “Operação Desmonte”. Intentavam rever as atividades da União diante da transferência constitucional de enorme soma de recursos para estados e municípios. Poucas foram aprovadas, mas na prática acabaram vingando.
Nos governos Collor, Itamar e FHC, a reforma do estado se intensificou: abertura da economia, privatizações, agências regulatórias, Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras ações. Somadas ao Plano Real, as mudanças criaram as condições para o ritmo de desenvolvimento vivido no governo Lula.
O PT continuou do contra. Fez campanha contra a privatização, incluindo um gigantesco comício para deter a venda das empresas de telecomunicações. Perdeu, mas nunca reconheceu os benefícios da medida, principalmente a clara facilitação do acesso das classes menos favorecidas ao telefone.
Os mitos estão de volta. Para o experiente ministro Paulo Bernardo, agora nas Comunicações, as empresas da Telebrás foram vendidas “a preço de banana”. A nova ministra do Planejamento. Miriam Belchior. festejou a “interrupção do desmonte do estado brasileiro”.
O valor mínimo de privatização das estatais era fixado com base em avaliações de duas empresas especializadas contratadas pelo BNDES. Não fnsce anenac isco a privatizacão foi feita mediante leilão público, aberto a todos os que se qualificassem. Se não contiver vícios, que foi o caso, o método conduzirá naturalmente ao valor justo de venda.
Ethevaldo Siqueira provou o equívoco do ministro (O Estado de S. Paulo, 30/01/2011). O governo obteve “o maior preço pago por uma empresa de telecomunicações no mundo, nos anos 1990″. Seu artigo descreve os vastos benefícios da privatização, em termos de universalização do acesso, arrecadação de tributos e investimentos.
Sobre a reversão do “desmonte”, a ministra do Planejamento invocou como prova “a recuperação de salários e a reestruturação de carreiras do serviço público”. Isso cheira mais a vantagens para o funcionalismo. Caberia lembrar o contrário, isto é, o verdadeiro desmonte decorrente das nomeações que acarretaram queda da qualidade de gestão da Receita Federal e dos Correios.
O novo governo começou bem, mas precisa mudar rumos, particularmente na despesa pública. Daí o corajoso ajuste fiscal de 50 bilhões de reais, com o qual enfrentará a herança recebida, esta sim mais “maldita” do que mito. Para disfarçar, a medida passou a ser chamada de “consolidação fiscal”. Menos mau.
Publicado na revista “Veja”, 23/02/2011
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