Rashomon
Do Instituto Millenium
Autor: Sergio Vale
O governo tem se encastelado em seus primeiros meses de tal forma que as mensagens que têm sido emitidas têm ficado longe da clareza. Poucas medidas concretas e relevantes anunciadas, muito anúncio de medidas que poderão acontecer, quase uma ameaça permanente em cima do mercado cambial.
Num governo cuja liderança é notória centralizadora e organizadora, fica a dúvida sobre como anda a coordenação entre políticas no governo Dilma.
Isto posto, concedi a liberdade poética de usar o filme clássico de 1950 de Akira Kurosawa, Rashomon, como metáfora do que parece ser o governo em seus primeiros meses.
Na película japonesa, a mesma história de estupro e assassinato é contada em quatro versões diferentes e quem vê o filme não sabe no final qual é a verdadeira. O filme foi um marco na história do cinema não só pela técnica inovadora na fotografia, por exemplo, mas pelo ineditismo de narrar um relato com versões críveis do mesmo fato, sem nunca sabermos o que seria verdade de cada narrativa.
O governo Dilma tem tido um quê de Rashomon. Cada agente tem sua versão do que tem sido a política econômica, cada uma é crível, mas ninguém sabe exatamente o que é verdade.
Alguns analistas consideram que as medidas apresentadas na política fiscal e monetária são corretas e suficientes e não precisaremos mais de medidas adicionais. Outra parte do mercado, uma grande parte na verdade, desconfia da suficiência dessas medidas.
O governo, da sua parte, se fecha em copas e conta sua história a conta gotas, com medidas esparsas.
São histórias contadas em cima da mesma linha básica: a política econômica para manter um crescimento sustentado com baixa inflação. Antigamente, esse discurso era coeso, a história era entendida da mesma forma pelos agentes de mercado, ou seja, havia clareza dos caminhos que estavam sendo tomados.
Hoje, sobre situações que deveriam ser concretas, cada um tem uma opinião e não se sabe a versão correta do fato. Exemplos não faltam. A política fiscal contracionista anunciada foi restritiva para o governo e alguns agentes, mas expansionista e insuficiente para muitos outros e não se sabe a verdade disso.
Pior, mesmo com o resultado no final do ano talvez não fiquemos sabendo totalmente se os números foram bons ou não dados os truques que têm sido utilizados para fechar as contas do setor público.
Talvez esse seja um problema geral da ciência econômica. Somos vítimas desse efeito Rashomon em toda análise de fatos econômicos ocorridos. Também é a velha piada que se conta que de três economistas podem sair quatro análises igualmente factíveis e diferentes sobre o mesmo fato.
O mais complicado disso tudo é que o governo tinha que sinalizar que sua história é a mais correta e liderar o mercado a acreditar nisso. Mas hoje as versões valem mais do que os fatos e isso é ruim para o planejamento de política econômica. Pode sinalizar que o governo não tem estratégia de como conduzir a economia.
Fonte: Brasil Econômico, 14/03/2011
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