DILMA E A VIOLAÇÃO DE INGRID BETANCOURT

A democracia em debate. Participe. Você encontra este texto também em meu site www.virobscurus.com.br, no link http://www.virobscurus.com.br/secao.asp?id=1&c_id=170. Dilma, a democracia, a violação de Betancourt, o efeito Cacareco e a mídia desacreditada Estas eleições estão sendo altamente esclarecedoras. Seu maior ensinamento até agora: tudo isso que vimos --- exageros, mentiras e baixarias nas campanhas e a proliferação de candidatos folclóricos, de Tiririca e Mulher Pêra a evangélicos e celebridades --- é a democracia, meu caro! Não sabia que democracia é só uma farsa cheia de truques?  Que ela não passa, hoje, de instituição de defesa e amparo da vida regida pelo capital, daí eu chamá-la de demoniocracia? Que não é nem nunca será o governo do povo, pelo povo e para o povo? Isto nem deveria surpreender. Outro grande ensinamento: tantos têm sido os exageros, mentiras e baixarias na atual perseguição "democrática" aos candidatos, de Veja ao Estadão e à TV Globo, que a grande mídia brasileira acabou no Irajá, já está totalmente desacreditada.             Tenho visto muitas matérias abordando isso que a mídia vem chamando de "faceta ridícula e grotesca das eleições": o fato de que até a Daspu tem candidata e de que a Mulher Pêra e algumas bundas estão prestes se eleger. Ora, é a democracia! E sempre foi assim, desde que meu amigo Itaboraí Martins lançou a candidatura do rinoceronte Cacareco para vereador em São Paulo (1958). Esse lado apenas se intensificou um pouco por causa da Internet, mas não é novidade. Queriam o quê? Democracia menos democrática, que impedisse essa gente de se eleger? A divulgação só de dossiês que interessam? Mas aí não é democracia! Ademais, o que você tem contra rinoceronte? Rinoceronte também é gente. Sobretudo quando tenta carreira na política. Só agora estão descobrindo as verdades da democracia? Não sabiam que a democracia é, na realidade, o governo do rinoceronte, pelo rinoceronte e para o rinoceronte? Ou das bundas, pelas bundas e para as bundas? A democracia nunca passou disso em nenhum país. E é preciso avisar Diogo Mainardi, Augusto Nunes, Arnaldo Jabor, Millôr Fernandes... Andaram malhando Lula à exaustão nas duas campanhas que o elegeram presidente, e agora malham Dilma. Inútil. Os dois só disparam nas pesquisas! Antigamente, o menor escândalo de capa de Veja derrubava em questão de segundos o candidato. Lembra-se de Collor naquele debate ardilosamente editado pela TV Globo para favorecê-lo? Collor disse, ao vivo e em cores, a milhões de brasileiros, que Lula havia rejeitado a filha que ia nascer e insistira para que a mãe fizesse aborto. De que adiantou o desmentido da filha já adolescente, no dia seguinte? Aquela "acusação" praticamente elegeu Collor. Já não foi pior? Hoje, ninguém mais leva a sério uma TV Globo, uma Veja, um Estadão, uma Folha, O Globo, muito menos essa avalanche de baixarias que chegam pela Internet. Os debates, além de não serem mais acompanhados como no passado, banalizaram-se a tal ponto que não surtem o mesmo efeito. Geralmente, quem ganha o debate não angaria votos, o que é no mínimo curioso: Dilma pode até perder esta eleição, mas não será por conta de tais denúncias da mídia, de prometidos livros-bomba ou de baixarias que correm pela Web. Descobriu-se que a maioria dos brasileiros acompanha a mídia menos do que se imaginava. E não por ser alienada (pois de fato é), mas porque os veículos caíram em descrédito. E porque essa é a verdadeira democracia, a real que aí está e que, de autêntica, nunca teve nada e não vai ter em lugar nenhum tão cedo. Nem mesmo os poucos que ainda acompanham a mídia creem nela, tanto quanto não creem mais na política nem na democracia. Ou seja, nossa mídia continua equivocadamente politicista (acredita que a salvação esteja mesmo na política e na democracia, desde que elejamos políticos competentes, sérios e honestos, como se isto fosse possível em algum lugar do Planeta --- o tal do voto consciente). Quanta ingenuidade! O povão não entra mais nessa. Já está calejado. As pessoas comuns, até as mais despreparadas, já se deram conta de que a democracia e a política não prestam e servem apenas às classes dominantes, no amparo e defesa das ações do capital. Por isso, hoje votam em Lula e em seus candidatos. Sabem que o presidente também não pode muito, é outro que atende aos anseios do capital, mas que, ainda assim, faz alguma coisa pelos "companheiros e companheiras", como nos seus velhos tempos de sindicalista. Outra descoberta feita a partir destas eleições: não só a mídia perdeu em credibilidade, a Web também. Nem mesmo toda essa liberdade da Internet, que permite as mais variadas e grotescas formas de baixaria, foi capaz de derrubar Lula ou Dilma, pelo contrário, só tem alavancado a imagem de ambos. Recebi enxurrada de e-mails contendo baixarias de todos os tipos contra os candidatos, de esquerda ou de direita, e percebi que hoje elas surtem efeito contrário, angariando votos apenas para o candidato que é atacado. A tal ponto que eu nem pretendia votar em Dilma (até escrevi livro em passado recente criticando o PT de cabo a rabo), mas já estou começando a mudar de ideia. Nestas eleições, as baixarias da Internet passaram dos limites. A pior veio de cima para baixo, do alto clero tucano. Foi a "acusação" de que Lula, Dilma e o PT estariam diretamente ligados às Farc, organização guerrilheira da Colômbia. A velha ingenuidade! Nem o mais bobinho engoliu, mas a mídia fez a festa. Lula, Dilma e o PT podem até ter simpatizado um dia com aquele movimento guerrilheiro. Mas, se tivesse havido um mínimo de vínculo direto deles há oito anos, Lula jamais teria chegado à presidência e Dilma não teria conseguido nem sequer se candidatar. O povão já entendeu minimamente a realidade, principalmente das eleições, a mídia e os idealizadores dessas campanhas de baixo nível não. O povão sabe que as instituições estão fortes e que nada de essencial pode mudar por ora na América Latina, pelo menos a ponto de pôr em risco a agenda e a regência do capital por estas bandas. Mas a mídia e toda essa gente ignoram. Não sabem, por exemplo, que os serviços de inteligência internacionais, de defesa e proteção do capital, amplamente monitorados pelos Estados nos países de Primeiro Mundo, já teriam disparado sua metralhadora mortífera contra Lula, Dilma e o PT, caso eles hoje estivessem diretamente ligados às Farc e fossem ameaça real. Até mesmo qualquer tentativa de candidatura, tanto de Lula quanto de Dilma, teria sido abortada, se houvesse tal conexão. Lula e Dilma podem até ter se ligado às Farc no passado, mas bateram logo em retirada quando viram que só assim chegariam à presidência.             Aí está a prova de que tanto a mídia quanto os autores dessas baixarias eleitoreiras (ambos se confundem, a propósito) desconhecem o velado pacto firmado a portas fechadas entre Lula/PT/Dilma e o capital, em que os primeiros abriram mão dos "velhos ideais socialistas" (é para rir) e o capital se comprometeu a apoiá-los diante de "tão inusitada concessão ideológica" (também é para rir).             Não sacaram que, graças a esse pacto, Lula pôde se eleger e fazer o melhor governo (do ponto de vista capitalista) da história do País. E que Dilma fará o mesmo, se não melhor. E que isso é a democracia em estado puro, que os despreparados ainda não entenderam: ela é o amparo e a defesa do capital, muitas vezes por mãos "tortas" que se dizem de esquerda, mas que de fato nunca foram. Esse bando que agora despeja incansavelmente sua testosterona em cima de Lula e Dilma compõe a ala mais rasa e burra da direita, essa que é cega para tudo. Jamais conseguiu dar-se conta de que Lula e Dilma não oferecem o menor risco e nunca seguirão os passos, por exemplo, de um Hugo Chávez, que além do mais é hoje tão inofensivo quanto qualquer um deles. A esquerda está toda amarrada a essa camisa-de-força. E a ala mais rasa e burra da direita, que inclui também grande parcela da própria esquerda, desconhece isso. Toda a "esquerda" hoje no poder na América Latina na realidade faz, sem exceção, exemplar governo de direita. Isso é a democracia! Esses dias, recebi vários e-mails contendo um vídeo mostrando a violação de Ingrid Betancourt por elementos mascarados que seriam das Farc. Os e-mails foram-me enviados por adversários ferozes de Dilma, com cenas chocantes de Betancourt sendo violentada e a mensagem: "Olhe o que fazem as Farc, à qual Lula e Dilma estão ligados. A esquerda está há anos no poder barbarizando assim em quase toda a América Latina. Não podemos permitir que repita cenas como essas no Brasil. É isso o que você quer para o País?". De novo, a ingenuidade.             Começa que essa esquerda hoje no poder na América Latina nunca foi esquerda autêntica. Além do mais, ela pode estar no poder, mas não tem poder nenhum para exercer o poder em que está, portanto, não está de fato no poder. No momento, toda essa esquerda no poder faz, sem exceção, de Hugo Chávez a Evo Morales, as vezes do capital, como criança bem comportada, sabendo que, se fizer xixi fora do penico, toma bala na testa em atentado ou é literalmente eliminada pelo golpe de estado, o que o valha, como já quase fizeram com Chávez. Acha que Dilma é bobinha a ponto de não saber disso? Ingrid Betancourt foi seqüestrada em 2002.  Permaneceu por mais de seis anos nas mãos dos guerrilheiros colombianos. Não tive como checar se o vídeo é autêntico ou montagem. De qualquer forma, é horrível. Estarrecedor. Perguntei-me: qual atrocidade é maior, essas cenas de violência mostrando Betancourt sendo estuprada ou o uso dessas mesmas imagens, só agora escancaradas aos brasileiros, expondo Betancourt dessa maneira com o mero intuito de desestabilizar a campanha de Dilma? E quem tem acesso, e de que maneira, a vídeos como esse, para jogá-lo assim livremente na Internet? Não há o menor escrúpulo em expor Betancourt desse jeito por motivos políticos escusos. Será que fins assim injustificados justificam meios igualmente injustificados? Como se consegue isso? Quem tem acesso a esses vídeos? Quem os fornece? Não se tem notícia de prática semelhante --- refiro-me não só à violação de Betancourt, mas também ao uso dessas imagens para tais fins --- nem mesmo no nazismo, no fascismo ou no estalinismo. Outra enxurrada de e-mails chegou-me, ora mostrando José Serra com chifres de diabo e como verdadeiro serial killer, ora mostrando a "ficha criminal" da "assassina Dilma". Detalhando quem ela matou. Nenhum mostra que Dilma passou por sessões de tortura muito piores nos porões da ditadura militar, nos anos de 1970, submetida a sessões de choques elétricos e a mais sabe-se-lá-o-quê por todo o corpo. E por aí vai.             A revista Época tentou demonizar e vilanizar Dilma, ao mostrar em recente matéria de capa o envolvimento dela com a guerrilha urbana. O texto aborda superficialmente as torturas a que ela fora submetida. Para surpresa da revista, a matéria acabou surtindo efeito contrário: Dilma sai da reportagem como heroína.             Em resumo, a mídia e a Internet, no seu empenho para avalizar toda essa baixaria --- fenômeno que sempre existiu, mas que tem sido potencializado com a explosão da Internet ---, são os grandes derrotados destas eleições. De Veja à TV Globo, passando pela Folha, Estadão, O Globo etc., não escapa um. Que bom! Finalmente, a política e a democracia nos brindam com algo educativo e progressista. O capital, que outrora salvou a vida humana no Planeta, hoje intoxica e destrói o meio ambiente e os recursos naturais, e já nos está levando ao caos, à barbárie e à morte, em especial por nos trazer doenças e males de todos os tipos. E os melhores instrumentos de que dispõe, para tanto, são a democracia e a política, hoje meros protetores e defensores da vida capitalista, vale repetir. A Terra está enferma, dizia Michael Jackson, e se não fizermos nada para deter isso, vamos ser dizimados pelo capital, justamente pela via da democracia e da política. Hoje, a democracia e a política já estão consolidadas como o pior dos autoritarismos e dos totalitarismos, a forma mais insidiosa de ditadura, as duas instituições que mais cerceiam a liberdade de expressão e ferem os mais sagrados direitos humanos, como, por exemplo, o de propriedade (isto apenas para ficarmos na prática institucionalizada do roubo de força de trabalho, hoje também chamada de expropriação ou apropriação de mais-valia). E não há solução para isso em nenhum "ismo", posto que o capitalismo não é fórmula que possa ser substituída, além do que nele já nos viciamos e nos condicionamos. Simplesmente, enveredamos pelo capitalismo, e agora vai ser difícil nos livrarmos desse abacaxi, que um dia foi doce e saboroso, mas já azedou e apodreceu, e agora pode até nos matar. Tampouco o terrorismo e a guerrilha são soluções, posto que hoje apenas concorrem para sofisticar o aparato bélico (ogivas nucleares etc.) de que se vale o capital para se conservar e continuar sua marcha agora destrutiva. Eleições com toda essa baixaria que aí está, e uma mídia que se empenha em endossá-la e alimentá-la, não são as únicas nem as piores crias da democracia e da política. As ditaduras, tanto de esquerda quanto de direita, também são filhas legítimas da democracia. Não sabia? As ditaduras de direita são crias da democracia na medida em que aparecem como única saída que a democracia encontra para não sucumbir em momentos críticos e difíceis, quando nada mais lhe serve para garantir a própria conservação. Por exemplo, o nazismo foi o único caminho que encontrou naquele momento a "democracia" na Alemanha (aqui entendida como ela de fato é, instrumento de defesa e proteção do capital) para deter o avanço do "comunismo". Da mesma forma, a ditadura militar foi o único caminho encontrado pela "democracia brasileira", em 1964 (também aqui entendida como instrumento de defesa e proteção do capital), para deter a tal da "escalada comunista". As ditaduras de esquerda também são crias da democracia porque não existiriam não fosse a democracia, ainda que nasçam unicamente para ser sua antípoda e combatê-la. E emanem, muitas vezes, de monarquias. Portanto, Hitler, Mussolini e Stalin não passaram de produtos diretos da democracia e da política, ainda que os primeiros buscassem "aperfeiçoar" e "eternizar" a democracia e a política, e Stalin apenas "destruí-las". Sim, tínhamos o império czarista na Rússia pré-1917, mas o maior objetivo de Stalin era deter o avanço do capitalismo, que já na época se confundia com a democracia e a política.             Em suma, as ditaduras de direita não passam de instrumentos do capital (portanto, da democracia e da política) para se conservar e se eternizar. Já as de esquerda são geradas no mesmo útero, mas, indesejadas e rejeitadas, voltam-se contra as duas maiores forças do capital, a democracia e a política, no intuito de destruí-las para não serem por elas destruídas. De minha parte, só estou em condições de oferecer, no momento, estes textos de alerta. Mas a humanidade precisa lançar mão de toda sua criatividade e fazer alguma coisa já, se deseja mesmo se salvar. Abraços a todos, Tom Capri.