Ser considerado parte da elite virou ofensa das mais graves. Um sinônimo daquilo que nas peças de Bertold Brecht é encarnado pelo burguês ganancioso, ameaçado pela ascensão dos mais humildes, cuja riqueza se baseia na exploração dos menos favorecidos.
Quem, além dos que enriqueceram roubando, merece a acusação de ter contribuído ou desejado a desigualdade social? A classe A? B? Os profissionais liberais? Os engenheiros? Cientistas? Artistas? Empresários? Políticos? Latifundiários? Todos juntos?
Quem comanda a injustiça atávica, além dos que desviam milhões e lutam pelos votos da ignorância?
É bem verdade que não fomos formados pela mesma tradição protestante que fundou os Estados Unidos. Lá, desde os tempos de George Wa- shington, solidariedade se traduz em doações polpudas das grandes fortunas para instituições de caridade, hospitais, universidades, museus e pesquisa. Temos uma herança extrativista que culminou na lei de Gerson. A filantropia engatinha por aqui.
A recente estabilidade econômica possibilitou o milagre da distribuição de renda. O aumento do poder aquisitivo dos que ganham entre três e dez salários mínimos salvou o Brasil da crise de 2009 e continua prometendo.
Nenhuma revolução heroica deu voz ao povo; foi o crédito e a Bolsa Família. A classe C se transformou no Eldorado das grandes redes de TV, das poderosas agências de propaganda, do comércio varejista, dos bancos e de todas as demais forças geradoras de riqueza. Desvendar os seus anseios é o sonho de qualquer CEO com especialização em Harvard no momento.
O cacife dessa nova classe média multiplicou por sete nos últimos dez anos e, hoje, se equipara ao das classes A e B juntas.
As duas últimas abrigam o pessoal com bala na carteira para sonhar com mercado luxo.
Já é possível, sem sair de São Paulo, fazer fila para adquirir a sua bolsa de R$ 30 mil, vestir alta costura prêt-à-porter, harmonizar o vinho com a refeição e viver em ambientes paginados.
Antunes Filho considera uma tragédia a proliferação dos cadernos de culinária, moda e decoração. Jorge Mautner deu uma boa explicação para o fenômeno: até há pouco tempo, somente a nobreza e os reis tinham direito a tais requintes. A democratização do luxo se transformou na febre dos que têm direito à mais-valia.
Em um mundo que substituiu a ideologia pelo economia, não importa quanto dinheiro você tem no bolso, manda aquele que pode e deseja gastar, seja no crediário miúdo ou nas grandes tacadas dos cartões platinum. O resto é silêncio.
Tanto os que se endividam por um sapato Louboutin quanto os que o fazem pelo primeiro carro ou geladeira geram dividendos, aumentam o PIB e puxam as estatísticas mercadológicas para cima. Ambos alimentam a ciranda produtiva e estão perdoados. Quem se posicionou à margem deste rio de satisfação, arrisco dizer, foi o intelecto. O intelecto e seu imperdoável defeito de não ser consumista.
Lembro-me do choque que levei quando percebi que a primeira página da Ilustrada seria definitivamente ocupada por anúncios de meninas lânguidas e contorcidas em campanhas de estilo. A manchete podia se referir à um artista radical da Sibéria, mas a foto era de uma modelo adolescente de boca carnuda vestindo um jeans rasgado da Chanel.
Algo assim seria impensável na minha adolescência. Há 20 anos, a cultura servia de ponteiro; hoje, ela anda à mercê dos acontecimentos. Somente as manifestações de massa fazem sentido porque se justificam como mercado. Erudição é um crime.
Eu estive na posse de Darcy Ribeiro no Senado no fim da década de oitenta. Darcy fez um discurso belíssimo sobre a importância da educação e declarou que todo aquele que é capaz de ler, no Brasil, é responsável pelo analfabetismo.
Um ano de estudo significa 15% de aumento salarial. Eu espero que haja uma segunda revolução no Brasil, amparada pela reforma econômica, que se concentre não no comércio, mas na educação. Uma revolução que acabe com a ideia de que penso, logo escravizo.
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